O frio na barriga, primo-irmão das borboletas no estômago, é um sentido do corpo humano. Pra valer. Estudei o tema tempos atrás e achei curioso o fato de minimizarmos tanto uma coisa que revela nossas emoções de forma escancaradamente visceral.
Se vejo algo belo e que me encanta, valorizo, quero perto.
Se um toque me arrepia, sei que ali tem coisa, me enfeitiço.
Se sinto o cheiro da comida da minha mãe, aquilo me enternece.
Mas, se uma situação me dá frio na barriga, aprendi, deveria fugir, abafar, tomar um remédio. Acontece que, tal qual os cheiros, os gostos ou as visões, o frio da barriga não é bom ou ruim; apenas é.
Um sentido humano: se dá aquela sensação na beirinha do estômago, é porque importa para você, mexe com as suas emoções, deveria ser levado em conta. Sinaliza o caminho a seguir.
E vamos procurando fora, nas adivinhações ou nos conselhos, o que o nosso corpo está tentando nos dizer bem no meio do abdômen...
Qual o último frio na barriga que você sentiu? Lembra?
Pensa agora: o que te deu o último frio na barriga?
Fora o dia em que você resolveu sair de cropped e ventou (piada ruim, temos).
Sempre observei os meus, às vezes com um atraso imenso, mas observei.
Lembro quando percebi, apavorada, que não tinha mais frio na barriga trabalhando em redação. E olha que é um ambiente fomentador dessa sensação, pela novidade constante, os prazos, a pressão geral. Tinha a impressão que conseguiria editar uma revista, um caderno, fazer um vídeo, discutir um tema, resolver qualquer problema por telepatia, de costas, cochilando. Parecia fácil demais num certo ponto da minha carreira.
Todas as vezes em que me senti assim, eu saí.
Planejadinha, amendontrada, pirando e tomando uns goles além da conta... mas saí.
Em vez de fugir do frio na barriga, escolhi fugir da falta dele.
Em vez de fugir do frio na barriga, escolhi fugir da falta dele
Isso te interessa?
Não só no trabalho.
Sinto o dito-cujo aqui, agora, escrevendo esse texto não técnico, para pessoas que não reaproveitei de mailings anteriores, como quase todo mundo faz.
Sinto porque o ano acaba de começar.
Sinto ao terminar uma bem-sucedida sociedade pra me (re)aventurar sozinha, muito mais posicionada em todas as minhas crenças e descrenças, mas também sem aquele quentinho da parceria.
Sinto de forma paradoxal ao sofrer após um término de relacionamento amoroso.
Escancarando bem, estou num momento de frio na barriga em tudo. Faz bem, amo, mas também dá uma ansiedade que, olha!
Na próxima, deusas, podem mandar um friozinho de cada vez, por favor. Uma avalanche dessa não é para amadoras, não rs.
Ainda assim, continuo e continuarei procurando esse sentido atípico porque quando uma coisa está muito encaixadinha, quadrada, é sinal de que precisa ser remexida.
Na carreira, você há de concordar, as razões são óbvias: quase todas as áreas viraram uma loucura, cheias de mudanças.
Na vida íntima, quantos percalços nos esperam? Não é no comodismo que os evitaremos.
Na saúde, na mente, nas amizades, no simples despertar ele pode estar presente, nos ensinando o que controlamos e o que não.
Falo com quem não é feliz enquadrada demais. Parece bom, até que o conforto desconforta.
Tudo parece ótimo, até que o conforto desconforta
Gente como a gente até fica bem com uma cota de tédios delimitados -- ah, e é ótimo tê-los, rotineiros, preguiçosos. Aqui, por exemplo, são as relações estáveis, o ritual noturno, a lista do mercado sempre parecidinha... Pequenezas que automatizam o banal ou aquietam a mente.
De resto, quando as águas ficam paradas, nos parece que é hora de sair e surfar uma onda.
Ou criar uma.
"Ouvir" esse friozinho, aprender a decifrar o que a gente sente, sacode tudo. Sacode dentro; sacode o mundo. É nele que moram as maiores e melhores mudanças.
Sem frio na barriga, nada nunca muda.
É que não adianta tentar congelar o tempo, sabe? Por melhor ou pior que a vida esteja hoje, ela vai evoluindo, não para. Se não nos mexermos também, nos perdemos num anacronismo triste e solitário.
Vale dar pequenos passos, ir e voltar, só não vale estacionar.
Não vale se trair.
Tampouco esquecer-se a si mesma no caminho.
Só não vale estacionar. Não vale se trair. Tampouco se esquecer no caminho
A tão sonhada paz a maior parte das vezes está no movimento.
Por isso, digo: desencaixadas, uni-vos!
Vamos caçar um friozinho para nos incomodar, revirar, alegrar, evoluir. E, se pá, nos cruzamos no caminho.
Quer ouvir o texto acima? Pois tem Lendo o Estômago em áudio pra você aqui (espero que dê certo rs)
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O friozinho no Repertório
UMA SÉRIE
Algo a que assisti e que traz essa sensação da melhor e da pior forma? A série Physical, da Apple TV+, que está na segunda temporada. Traz temas sérios como bulimia, sexualidade, opressão feminina no início dos anos 1980, enquanto entretém com romance, figurino espetacular e uma mulher que resolve, custe o que custar, ceder ao friozinho na barriga de ter uma carreira, ensinando ginástica aeróbica - quarentonas sabem do que se trata, confere?
UM LIVRO
Ah, e o livro Supersentidos, de Emma Young, lançado em 2021. A obra explica esse e outros sentidos poucos conhecidos com base científica. É pra quem quer mesmo se aprofundar no tema, porque é grande e tem vários termos científicos, tá? Eu curti descobrir cada um dos nossos sentidos e, quem sabe, você também não abre a mente pra sentir mais e melhor?
UM FILME
O longa Até os Ossos mexeu comigo (está ou acaba de sair de cartaz em cinemas mais alternativos, tipo o Belas Artes, em SP). Não recomendado para estômagos fracos: é bem cru nas cenas de sangue, suor e lágrimas. Trabalha metáforas importantes sobre o desencaixe social, o que é afinal a condição (des)humana, as uniões improváveis e a antropofagia amorosa. É bonito ao nos fazer pensar no velho e bom amor romântico e no frio na barriga de uma vida em movimento, como, queiramos ou não, ela é.
UM LUGAR
Já que estamos na esfera digestiva hoje, deixo minha singela indicação de afetividade para balancear o friozinho no estômago com um afago quentinho rs. A Cozinha da Sí, no Ipiranga, em SP, é um lugar que sempre causa curiosidade quando posto nos Stories. Acarajé, caipirinhas com frutas inusitadas, gente do bem, simplicidade (aquela, real, que me lembra o interior, mas é Bahia pura) e samba... ah, eu gosto e quero mais em 2023! Lá, num domingo de Sol, bem provável que a gente junte as mesas e pratique boa filosofia de boteco.
Reticências
"Em conversas rotineiras, com frequência falamos sobre frio na barriga: você está prestes a comprar uma casa? Que frio na barriga. Essa sensação tende a acompanhar decisões importantes — do tipo menos caracterizada por avaliar os prós e contras, e mais por tender inconscientemente a favor de uma opção e não de outra.
Seus sinais corporais podem, então, impulsionar você a tomar uma decisão correta de forma inconsciente, impulsiva (e não logicamente calculada). Pessoas sintonizadas com seus sinais corporais devem, portanto, ter uma capacidade melhor de aprendizado implícito."
do livro Supersentidos
Logo que você começou a escrever pensei no livro Supersentidos... estou adorando lê-lo... e vi que você também está lendo o livro Emoções do Leonard Mlodinov, hahahaha Sinto que criamos uma conexão leiturística (sou gaúcha, da arte de inventar palavras eu entendo). Mas voltando ao seu texto, adorei. Me identifiquei muito. Acredito que sou assim também: uma desassossegada, sabe? Pq estou sempre em busca de um novo frio na barriga. Confesso que com a pandemia (e os remédios que minha psiquiatra receitou) deram uma limita nos meus sentidos. Mas em 2023 vou procurar borboletas novamente ♥️
Obrigada por isso, Bru! Dá frio na barriga saber que tudo o que faz sentir é que faz sentido! Rs. Por vezes penso que essa sensação é errada e me "arrependo" por ter dado um passo novo. Mas logo, passa, viu!? E vem o maravilhoso sentimento de que me desencaixar é o que faz o meu coração bater mais forte. Continua, viu!?