PAUSE 90 | Autoajuda e atrapalha
Ler um livro ruim e mesmo assim tirar dele uma coisa boa: porque continuo lendo até a mais canastrona das autoajudas
Li uma autoajuda muito canastrona nesta semana e ainda assim mexeu comigo.
Droga, meus planos de ser uma intelectual respeitada sempre escorrem pelo ralo nessas horas, quando cada poro me lembra de quem eu sou, de onde vim, para onde acho que não vou. Não estou a caminho do Olimpo nem da ABL. Também não me vejo levando a goiabada para a prateleira de Quem Mexeu no Meu Queijo.
Acho que não vou para prateleira nenhuma, nem sequer metaforicamente me encaixo com a ideia de ser isso OU aquilo. Eu sou tanta coisa e sou nada. “Sou poeira de estrela” é a minha nova fala preferida depois de um drink ou dois.
Leio livros, incluindo os de autoajuda, desde criança.
Acho graça (uma graça sarcástica e autoconsciente vinda do subsolo como postulou Dostoiévski)… acho graça de quem fala jocosamente de autoajuda. Desdenha mas como precisa, hein? Desfaz enquanto posta frase dando indireta na rede social. Usa um Nietzsche como autoajuda de veste culta, mas no fim das contas está lá, né, repetindo o cânone da self help para os amigos com problemas que transcendem classe, julgando as pessoas pelo signo (ah, o mapa todo, calma…).
Não é uma crítica. Eu sou vocês. A diferença é que assumo.
Meu algoritmo na infância era a biblioteca da cidade.
Lá eu li tudo de Paulo Coelho, Sidney Sheldon, Joseph Murphy com o mesmo fervor que devorei Machado de Assis, Eça de Queiroz, Cruz e Souza, Manoel Bandeira e Shakespeare. Autoajuda e autodestruição, um pé lá, outro cá, cada hora um ajudando mais que o outro.
Os livros, os bons, os medianos e os ruins, sempre me ajudaram.
Para quem não nasce em berço de ouro com direito a terapia infantil, escola particular e viagens com experiências enriquecedoras, a autoajuda (inclusive a ba-ra-ta) cumpre um papel. No meu caso, ajudava a ter mais esperança e a sentir uma ponta de poder, o poder da autorresponsabilidade, por assim dizer, mesmo sendo uma pirralha.
Os gurus estadunidenses, e a liberdade que sentia vinda dos meus pais, me fizeram crer que eu não precisava ficar presa nas amarras da cidade, que eu poderia ganhar bolsas e estudar, que poderia ser boa, quiçá a melhor em alguma coisa. Mentalize, faça, acredite em você, trabalhe, se cuide, tente não fazer mal para os outros e foque no seu.
Isso cresceu comigo tão fortemente quando o Salmo 23 e outras passagens que eu estudava na igreja, a leitura do tarô da minha tia, o amor pela literatura brasileira… e esse combo todo me ajudou a criar uma boa casca contra o desânimo.
A autoajuda ainda está por aí cumprindo seu papel, só que hoje em dia não só em livros repetitivos com soluções simples, mágicas e comportamentais para problemas complexos. Hoje, está intrincada em tudo o que nos cerca, até autores mais “cult” são obrigados a considerá-la como parte da cultura e da psiquê dos nossos tempos.
Ajudando e prejudicando, chegou a níveis perigosos, ainda mais repetitivos e mentirosos que antes. Falo, como pode se ver, com conhecimento de causa porque leio até hoje. Está mais rasa, ainda mais mal escrita. Todo mundo lança a sua “lição pessoal” e sai falando que é escritor.
Não sei se deviam dar o crédito aos jornalistas que realmente escrevem, ou ao grande irmão Chat GPT que tem se saído um autor de autoajuda e tanto. Uma Brené Brown sem carne e osso, entendida de vulnerabilidade e relações humanas.
Leio esse tipo de coisa mesclando com as boas. Passo pelas páginas rápido, voando, com preguiça na maioria das vezes, mas faço. Considero parte importante do meu trabalho entender o que se está oferecendo como placebos para as dores cotidianas. Alguns placebos funcionam tão bem que os adotei para a vida, alguns já ensinei.
Conhecer os caminhos da autoajuda é conhecer um pouco mais os rumos da humanidade, nem sempre tão luminosos. Para a minha seara de atuação, faz sentido.
O interessante desse exercício de não desqualificar antes de ler é colocar a mim mesma à prova. Como as obviedades às vezes ainda me pegam!
Ao livro canastrão que comentei no início.
Eu tinha achado bem embasado a primeira obra do autor anos atrás, um psicólogo americano. Escrita fraca, muito mais exemplos do que eu gosto de ler num livro, mas era um bom exemplar do gênero. Descobri que ele caiu no erro-mor dos pseudoescritores pop: lançou várias obras desde então.
A qualidade invariavelmente cai.
A mais nova, a que li, foi essa lástima que poderia ter sido um artigo deste tamanho aqui, da Pause. Quantos livros poderiam ser só um artigo. É por isso que escrevo tanto neste formato…
Porém, uma ideia ali no meio de tanto chorume naquele livro me fez pensar. A de que nós todos temos uma habilidade que é maior que o que fazemos de prático e que pode ser aperfeiçoada infinitamente. Essa habilidade seria um jeito seu, algo que imprime a tudo o que faz. Quando você escapa demais disso, tende a sofrer porque é como se não estivesse fazendo o seu melhor, não necessariamente para os outros, mas para si mesmo.
Não é nada inédito, muito menos verdade absoluta, mas essa ideia me seduz.
Eu mesma tenho um conceito similar no Universo de Marca de branding pessoal do meu curso, o Método Bold. Eu já li sobre isso de muitas formas, já fiz autocoaching e terapia para saber o que se enquadra aí no meu caso. Ainda assim, ler sobre, pela enésima vez, me interessou e fez pensar se continuo fiel ao que amo, ao que sou, se mantenho intacto o guarda-chuva que protege e eleva todas as atividades que faço.
Esse tipo de pensamento é enriquecedor. Faz sair por alguns minutos do automático e olhar de fora para a própria vida. Estou no caminho? É isso mesmo? Estou usando o que tenho de melhor?
Essa pequena pausa que até uma autoajuda mal-escrita proporciona tem o seu valor. Por isso não desqualifico completamente.
Nunca se sabe que palavra vai chegar a alguém em que momento.
Existe uma imensa problematização sobre a cultura individualista e psicologizante de autoajudas e afins, mas hoje eu não quero fazer, vou deixar subentendido.
Hoje, vou ler um livro bom para compensar a mancha de frases cansativas de antes, até porque amar aprender, cruzar ideias e escrever são parte da tal habilidade que me fez ser feliz e sentir que tenho algo a entregar ao mundo.
Se tenho um dom único é meu ponto de vista peculiar, nem sempre palatável, sobre como devo ser, viver e me comunicar - olha aí o livro ruim me lembrando das minhas máximas empoderadoras, hein? Eu ri, você também?
Eu aceito ser isso E aquilo, minha poeira de estrela está espalhada pela biblioteca toda. O queijo, a goiabada, a faca e uma colherinha: não dispenso nada antes de provar.
Ser pop tem seu valor, queijo e goiabada combinam por uma razão.
Ser cult é bacana, já que, sem boas bases, até a autoajuda atrapalha.
Vou aqui tentando ser “altamente eficaz” à minha maneira para, pelo menos, não atrapalhar.
Eu, o que faço e Pause
Oi, eu sou a @brufioreti 🙂.
Jornalista. Especialista em branding pessoal. Sócia do projeto Método Bold e mentora de carreira.
Defensora do repertório amplo e do combo ler/escrever para viver melhor. Generalista por natureza, interessada em comportamento, neurociência, emoções, arte, feminismo, moda e tendências.
Tenho 20 anos de jornalismo como editora em grandes redações, cobrindo principalmente Cultura, Comportamento, Moda e Beleza: os lugares que mais me marcaram foram a Revista Glamour, onde fui redatora-chefe por 5 anos, e o Estadão e seu extinto primo paulistano Jornal da Tarde, nos quais passei 6 anos.
Tenho 42 anos, vivo em SP desde 2006, há 9 anos empreendendo. Aos interessados, tenho 6 planetas no mapa em Libra, estou no meu terceiro casamento, tenho 3 gatinhos, zero filho.
Dezenas de cursos ministrados por mim, chuto pelo menos uns 15 como aluna entre pós e extensões. No mínimo 8 mil alunos e mentorados até aqui, palestras que não consigo mais contar. Um burnout pra conta e um sem-número de ideias pra dividir <3.
Nesta newsletter, tento sempre voltar à estaca zero e me lembrar do que realmente importa. Aciono o botão PAUSE e venho compartilhar sem pressa nem algoritmo coisas que me ocorrem gerundiando: vivendo, mentorando, botecando, estudando, ensinando. Trago crônicas despretensiosas, dicas culturais, sacadas que quem sabe podem inspirar aí.
PAUSE é para quem quer pensar novos moldes de vida e carreira e sabe que pausar é o único jeito de continuar em movimento. Essa lição, aprendi com muita força depois de passar por um burnout e faço questão de levar adiante.
obs. para saber mais dos meus trabalhos para além desta seara, acesse (para meu curso de branding pessoal) metodobold.com.br e também (para palestras e afins) brufioreti.com.br
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Lição bem aprendida desde o primeiro Bold: não rejeite, sem antes conhecer. Experimente. De quase tudo na vida, podemos extrair algo de bom.
Que texto divertido <3 Me autoajudei com gostosas risadas (além de me identificar pacas)!