PAUSE 88 | (Des)instagramável
O que é memorável de verdade quando nos acostumamos a espaços belos em eventos, experiências parecidas e debates falsamente diversos?
O termo instagramável começou a me soar velho, datado, em algum momento.
Foi uns quatro anos atrás, creio, quando participei de um evento cujo dono, que para o meu gosto tinha um gosto bem duvidoso, não parava de falar sobre os vários "cantinhos instagramáveis" que estava preparando.
Ele tinha se convencido da importância de tudo ter “cara de Instagram” ao ouvir sobre isso num outro evento (claro), que falava sobre a importância dela, da “experiência”.
Que ficasse claro: o evento seria também rico em conteúdo, para isso eu estava lá. Ele só ressaltava que o conteúdo ia acontecer em cenários devidamente instagramáveis e convidativos para que todos pudessem “experienciar” o dia com leveza. Conteúdo era "superimportante", mas precisava, antes de tudo, entreter.
Nada de coisa chata, longa, profunda além da conta - você sabe fazer assim também, né, Bruna?
Começava uma era de eventos com várias pessoas concordando em concordar, debatendo obviedades em vez de uma só criatura verticalizando um tema.
Entretenimento com conteúdo; infotenimento, mais “mento” que “info”. Seria sobre isso dali em diante. Foi mesmo. Ainda é.
Voltando ao evento.
Melhor que fossem também pessoas instagramáveis - com um número bom de seguidores, consideradas arrumadas, donas de frases de impacto e cientes de que não seria desejável abordar nada fora do script. Os parceiros não gostariam.
As comidinhas, as ativações de marcas, os convidados, a coisa toda bem, muito, mais, sempre, por favor… instagramável. Feita pra ser vista, postada, bem deglutida.
Se assim não fosse, seria como não ter acontecido.
Palestrei e debati em tantos eventos, alguns eram do tipo. Como convidada fui a vários desses, todos iguais, mas uns mais iguais que os outros. Postáveis embora esquecíveis, assim como 99% das conversas de seus palcos. Bonitinhos e ordinários.
Extraordinários na venda, superficiais na entrega, mas novamente extraordinários em fazer parecer que a entrega tinha sido, claro, extraordinária.
Já foi a um assim?
O formato ainda rola bastante por aí, eu é que escolho frequentar menos - mas isso é conversa para outro dia.
Tanta coisa no menu
Hoje estou pensativa sobre como, embora ainda haja certa negação, esse instagramável que citei antes envelheceu. Datou há muito, ao menos na forma como conceito tem sido levado a cabo.
Precisaria ser atualizado para de fato ser "experienciado" como pedem os tempos atuais.
Se antes o foco eram os espaços para fotos, hoje isso é um básico quase que empobrecedor. Que venham surpresas para vídeos, quem sabe robôs interativos! Que pipoquem os espaços naturebas, imersivos! Que nos levem para o evento e nos arremessem para fora dele, para fora da realidade se possível!
Troca o prosecco por kombucha; o canapé por saladinha de fruta; manda servir um peixe amazônico que ainda dá pé.
Quem sabe incluir "momento natureza" para se reconectar com o offline. Nada de postar, pessoal, não pode - bora proibir para gerar desejo?
Manda tirar os sapatos de grife e pisar no chão, pra estimular um grounding.
Promove uma aula de yoga pra substituir aquela de ballet fitness que bombava.
Chama bastante a atenção para a "diversidade" nos painéis - mas continua a convidar aquelas lá que a gente sabe que não dão problema.
Propõe um debate importante sobre a volta da extrema magreza, a cultura do Ozempic, vende isso para o patrocinador bem verde.
Conta uma história triste e termina com uma de superação para finalizar no auge.
Descolore a sobrancelha, descombina as peças de roupa, vai de chinelo, posta sem filtro, foge das fotos com pose. Mostra que tu é engajada, que é cool, é chique, é do povo e "dá para ser tudo isso, sim".
Tem tanta coisa no menu que não sei o que comer…
O que é o desejável hoje?
O que seria o instagramável quando tanto já parece ter sido feito?
Talvez não caberia mais nem esse nome... os mais instagramáveis dos espaços e das pessoas parece que agora são os que parecem que não querem ser instagramáveis.
Parece, só parece.
Memória x post
Se ainda não ficou claro, deixo agora: o que chamo de instagramável neste texto não diz respeito só ao Instagram, tampouco apenas à estética das fotos pensadas no início da rede social, embora isso influencie o que entendemos sobre o termo e a maneira como vivemos (vídeo sobre no meu Insta).
Instagramável é digno de nota, de post, com uma estética que converse com o que acreditamos que as pessoas querem ver naquele momento. Uma chance de registrar aquele momento que parece ter o enquadramento ideal, não só visualmente mas na nossa marca, na mensagem que carregamos.
É tipo um "sob medida", o problema é que essa medida é variável conforme a estética da vez. Volátil que só.
Quando a estética muda rápido demais, quando aflora inclusive uma antiestética; quando há saturação visual; quando começamos a questionar se queremos mesmo mostrar tanto... Aí, volto a pensar, não começamos a assistir à bancarrota do instagramável?
Os eventos que citei, dos mais bacanões aos mais despretensiosos, estão patinando em gelo fino para entender qual o meio-termo entre o cantinho cheio de frufru para fotos e algo que nem pareça decoração. Entre o "posta e marca a gente" e o "fique muito à vontade para não registrar".
Hashtag, post pago, cores da marca e briefing integral?
Poste quando e se quiser, aproveite, é um presente nosso?
Luz amarela, clima intimista, vibes natureza?
Tecnologia na veia, café expresso, brownie proteico?
Sala de casa, comida afetiva, livro usado?
Call no meet, no zoom, no whats, ali na varanda?
Eu já fiz tantos eventos… faço, minúsculos e caseiros, com comidinha e cerveja, e para centenas de pessoas, com aula e decoração pensada por design e arquiteto. Simples, nunca é, nunca foi.
E não dá para ignorar o celular na mão das pessoas. Ele é a presença que leva o evento para fora das paredes e faz quem estar fora dizer se aquele instagramável é o de 2012, o de hoje ou, quem sabe, uma rufada de ar fresco do que ainda nem se viu por essas bandas.
Hoje, não há uma fórmula para experienciar o presente e torná-lo postável, compartilhável.
Mas acho que existe uma fórmula que está caducando. Criar um evento, uma palestra, um curso, um almoço... qualquer coisa pensada pra agradar mais a quem recebe do que quem é convidado.
Receber é a arte de fazer o outro se sentir o foco.
A faladíssima experiência requer atenção, e se a atenção está dividida, a experiência também está. Imagina se sentir no foco e poder focar na própria experiência? Imagina se sentir confortável, acolhida, ouvida, em privacidade e em paz?
Você ia se lembrar disso. Lembrar e sorrir, talvez.
Lembrar vale quantos posts nessa terra de desmemórias e pequenos ranços virtuais?
Em terra de velhos instagramáveis, quem fica na memória é rei.
Eu, o que faço e Pause
Oi, eu sou a @brufioreti 🙂.
Jornalista. Especialista em branding pessoal. Sócia do projeto Método Bold e mentora de carreira.
Defensora do repertório amplo e do combo ler/escrever para viver melhor. Generalista por natureza, interessada em comportamento, neurociência, emoções, arte, feminismo, moda e tendências.
Tenho 20 anos de jornalismo como editora em grandes redações, cobrindo principalmente Cultura, Comportamento, Moda e Beleza: os lugares que mais me marcaram foram a Revista Glamour, onde fui redatora-chefe por 5 anos, e o Estadão e seu extinto primo paulistano Jornal da Tarde, nos quais passei 6 anos.
Tenho 42 anos, vivo em SP desde 2006, há 9 anos empreendendo. Aos interessados, tenho 6 planetas no mapa em Libra, estou no meu terceiro casamento, tenho 3 gatinhos, zero filho.
Dezenas de cursos ministrados por mim, chuto pelo menos uns 15 como aluna entre pós e extensões. No mínimo 8 mil alunos e mentorados até aqui, palestras que não consigo mais contar. Um burnout pra conta e um sem-número de ideias pra dividir <3.
Nesta newsletter, tento sempre voltar à estaca zero e me lembrar do que realmente importa. Aciono o botão PAUSE e venho compartilhar sem pressa nem algoritmo coisas que me ocorrem gerundiando: vivendo, mentorando, botecando, estudando, ensinando. Trago crônicas despretensiosas, dicas culturais, sacadas que quem sabe podem inspirar aí.
PAUSE é para quem quer pensar novos moldes de vida e carreira e sabe que pausar é o único jeito de continuar em movimento. Essa lição, aprendi com muita força depois de passar por um burnout e faço questão de levar adiante.
obs. para saber mais dos meus trabalhos para além desta seara, acesse (para meu curso de branding pessoal) metodobold.com.br e também (para palestras e afins) brufioreti.com.br
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Bru, eu saí do Instagram. Alguma alternativa pra ver o vídeo complementar da Pause? Ele (ou o link ) pode ser trazido pra cá também?