PAUSE 87 | Entre Doors e Dostoiévski
A arte de rir de si próprio e encontrar a biblioteca que nos cabe
Eu não entendi Amnésia. Ah, até entendi, mas se assistir agora, pela enésima vez, acho que ainda saio com uma interrogação besta na testa.
Já Oppenheimer, do mesmo diretor, vi, captei, mas não quero rever. Caiu mais como um ponto final.
Assisti ao meu primeiro Godard no mês passado e resolvi maratonar tudo, maravilhada com minha ignorância cinematográfica. Achei que não ia entender nada; talvez não tenha, vai saber. Mas eu senti tudo.
Costumo assistir a muito do que está bombando no Oscar, em Cannes & cia; ler os livros mais falados; acompanhar os guias e os movimentos. Hábito de jornalista, coisa de curiosa.
A maioria dessas obras, me parece que entendi demais e senti de menos. De muitas, nem me lembro mais.
Comecei a ler A Odisséia e parei. A Ilíada, será que vai?
Desisti de Os Lusíadas. Reli Os Maias.
O Capital, tentei, retentei, mas nunca fui aos finalmentes, nem em páginas nem em compreensão plena.
Li O 18 de Brumário e O Manifesto, serve?
Estou agora apaixonada por um que se chama O Casaco de Marx, navegando nas redondezas do barbudo, erroneamente julgando que estava em águas mais tranquilas.
Susan Sontag, outro vício tardio, em consonância com o hype atual, disse uma frase ótima: "Se eu tivesse de escolher entre The Doors e Dostoiévski, escolheria – evidentemente – Dostoiévski. Mas tenho de escolher?”.
Não, Susan, não temos.
Senão seria nos levar a sério de mais.
Ou de menos.
Podemos apenas nos levar.
Cantar músicas de outras línguas usando letras genéricas, passar dias com mania de músicas da rádio na época da adolescência, e depois, quem sabe, contrabalancear com algum conteúdo hermético, daqueles que a gente decide deliberadamente finalizar, saltando trechos conformados em apenas captar "o todo".
A delícia de não se levar nem tão a sério nem em tão baixa conta.
"Essa letra falava isso?!?"
O amor por caminhar na corrente e contra ela rindo dos tropeços e de si mesmo - esporte popular.
Nós, trôpegos tentando nos manter num caminho do meio, que prometeram ser linear.
Se eu lesse Comte, Durkheim, Marx, Weber eu entenderia tudo, não é? Ah, deve ter sido isso: eu não fui fundo o suficiente no barbudo e me desviei da rota indo me acabar em todos os livrinhos; os livrinhos infindáveis do filósofo coreano famoso por seus livrinhos coloridos que refletem exatamente o que eu penso.
Ando passeando tanto pela Coreia de Byung-Chul Han, de Han Kang e de outros produtos culturais do lado de lá que voltei pra cá mais ciente - de novo - de que nada sei.
Lendo tudo, não entendendo nada. Ou cada vez menos.
Eu, uma clown me apresentando para o mundo entre espetáculos intelectuais e pílulas culturais deliciosamente pueris. Nem lá nem cá.
Não me dou com Dorama, mas não posso fingir que não existe. Não traduzo um ideograma, porém bem sei o que é K-Pop. Não sei dançar tão devagar pra te acompanhar, mas ai de mim se eu sair da pista...
Eu, você, equilibristas sociais.
Às vezes palhaços de um circo próprio sem platéia.
Rindo pra dentro, mas de verdade, um riso ensimesmado com um invisível combo de nariz vermelho e sapato grande.
Para mim, esse ping pong de saberes e ignorâncias combina com a sensação de "vergonha alheia de mim mesma". Aquilo de quando a gente agradece ao telefone depois de ter feito o favor para o outro, e não o contrário. De corar ao tropeçar e ninguém ver. Acordar com um patético torcicolo de jovem adulto depois cochilar na mesmíssima cena da série duas vezes seguidas.
A autoconsciência, o rir de si mesmo e levar a vida.
O deleite de celebrar a própria ignorância e o despreparo para lidar com o banal.
Chacoalhar a cabeça envergonhado ao se pegar sendo imaturo e segundos depois se considerar a mais sábia das criaturas por ter domado o impulso anterior. Uma voz tipo Brás Cubas narrando o episódio com sarcasmo e algum grau de hipocondria, como pede a obra-prima de Machado.
Eu perdi a vergonha de dizer "não sei", enquanto passava a cuidar da minha coragem de enfrentar os outros com um afrontoso "eu sei, não é bem como você está falando".
Entre os tantos lidos e não lidos, mudei de corredor e entendi melhor a turma do deixa pra lá. Às vezes.
Continuo soluçando entre achar tarde ou cedo demais para estudar novas coisas que nunca quis, ou me jogar no que sempre pude.
Vou levando...
Coringando, ou quase, pela vida.
Escolhendo menos Doors que Dostoiévski, ou vice-versa. Escrevendo aqui para, enfim, ficar em paz com colocar os dois para conviver na sala de estar.
Permitir-me, permitir-se ser uma eterna aprendiz de si mesma e do mundo.
Levar a vida ciente da sua infinitude de saberes e sempre tocada pela beleza triste da sua finitude.
Reconhecer o vazio, não só o buraco existencial que nos acompanha, mas aquele hiato pueril em tudo, que nos faz encolher, encolher... até virar um grãozinho de areia em meio a uma biblioteca.
Uma pessoa, por si, é uma insubstituível biblioteca.
Se eu ler a que me cabe, já será muito.
Eu, o que faço e Pause
Oi, eu sou a @brufioreti 🙂.
Jornalista. Especialista em branding pessoal. Sócia do projeto Método Bold e mentora de carreira.
Defensora do repertório amplo e do combo ler/escrever para viver melhor. Generalista por natureza, interessada em comportamento, neurociência, emoções, arte, feminismo, moda e tendências.
Tenho 20 anos de jornalismo como editora em grandes redações, cobrindo principalmente Cultura, Comportamento, Moda e Beleza: os lugares que mais me marcaram foram a Revista Glamour, onde fui redatora-chefe por 5 anos, e o Estadão e seu extinto primo paulistano Jornal da Tarde, nos quais passei 6 anos.
Tenho 42 anos, vivo em SP desde 2006, há 9 anos empreendendo. Aos interessados, tenho 6 planetas no mapa em Libra, estou no meu terceiro casamento, tenho 3 gatinhos, zero filho.
Dezenas de cursos ministrados por mim, chuto pelo menos uns 15 como aluna entre pós e extensões. No mínimo 8 mil alunos e mentorados até aqui, palestras que não consigo mais contar. Um burnout pra conta e um sem-número de ideias pra dividir <3.
Nesta newsletter, tento sempre voltar à estaca zero e me lembrar do que realmente importa. Aciono o botão PAUSE e venho compartilhar sem pressa nem algoritmo coisas que me ocorrem gerundiando: vivendo, mentorando, botecando, estudando, ensinando. Trago crônicas despretensiosas, dicas culturais, sacadas que quem sabe podem inspirar aí.
PAUSE é para quem quer pensar novos moldes de vida e carreira e sabe que pausar é o único jeito de continuar em movimento. Essa lição, aprendi com muita força depois de passar por um burnout e faço questão de levar adiante.
obs. para saber mais dos meus trabalhos para além desta seara, acesse (para meu curso de branding pessoal) metodobold.com.br e também (para palestras e afins) brufioreti.com.br
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Uma news que saiu como um poema bonito num domingo calminho.
Que delícia de ler!! Tão em sintonia com meu momento… a vida transita entre sentir-se um grão de areia e perceber-se como uma biblioteca.