PAUSE 85 | Sociedade adolescente
Será que nos tornamos um coletivo imaturo dependente de atenção? Esta e outras reflexões e referências suscitadas pela minissérie "Adolescência", da Netflix
Este texto é para você que sempre se sentiu meio velha.
No bom sentido, se é que existe um sentido ruim.
É como se tivesse nascido com uma lente acoplada que confere décadas a mais de percepção quando olha ao redor, fazendo de você uma julgadora sagaz desde pequena. Sem dizer palavra, só ali analisando como os coleguinhas da escola "são infantis" e, mais tarde, os amigos e pares de trabalho, juvenis, desprovidos de inteligência emocional.
Almas velhas, uns dirão.
Precoces, outros podem argumentar.
Arrogantes, seria justo pensar.
Traumatizados, bem provável.
Não faço questão de cravar um diagnóstico: meu foco é falar com você que por alguma razão há tempos vê o mundo diferente dos seus pares da mesma idade.
Vem cá, me diz: você, senhora nascida em qualquer época, também anda achando o mundo deveras adolescente? Assaz imaturo? Empolgado demais por pouca coisa? Raso? Extremo? Infantilóide? Bobo, até?
Sem querer me embriagar com o fel da crítica à contemporaneidade e contaminar quem já tem em si esse apreço, peço um minuto da sua atenção para dividir a minha percepção e saber se estou acompanhada.
Eu assisti à minissérie "Adolescência", da Netflix, e fui impactada por uma porção de críticas entusiasmadas a ela. Para mim - atenção para a rabugice do perfil "senhora" - nem é tudo isso.
Mas claro que a série é boa, e me suscitou o desejo de falar de dois temas, um sobre o qual preparei um vídeo para o Instagram; o outro que trato brevemente aqui em texto.
Uma menarca coletiva
Vivemos em uma sociedade adolescente, exacerbando algumas características problemáticas da adolescência que todos nós conhecemos bem. Conhecemos, inclusive, com uma sensação inebriante semelhante à do plano de sequência que foi usado em “Adolescência” e causou comoção.
Uma sociedade adolescente que se empolga em demasia com tudo e se desempolga com a mesma facilidade.
Uma sociedade em que ser dependente da opinião alheia é o modus operandi, tendo a aprovação e os aplausos como os maiores valores.
Uma sociedade em que ser popular é desejável e desejado; estar na média é considerado negativo.
Uma sociedade em que os ânimos estão inflamados, radicais, incapazes de serem dosados (como acontece comprovadamente com o cérebro do adolescente, ainda em formação).
Estou tendo um olhar de “gente velha” demais, ou te parece também que estamos nessa espécie de adolescência coletiva?
Uma sociedade da insegurança, que fomenta a dúvida e coloca a responsabilidade no indivíduo, o que serve bem a todo um sistema opressor que se passa por libertário (pais de rédea curta, que usam o morde-assopra).
Sociedade imatura, com lideranças e ídolos que flertam perigosamente com comportamentos infantis, embora se julgue avançada.
Sociedade do corpo adolescente. Para as mulheres, magérrimo, pouco seio, nada de barriga, pernas finas, meia curtinha com sapato, aparência agrada-homem, agrada-menino.
Homens, meninos, pessoas que aprendem a odiar mulheres.
Mulheres que se odeiam.
Mulheres que querem parecer adolescentes.
Adolescentes que querem parecer avatares.
Avatares que se multiplicam e ficam com cérebros mais prontos que as próprias adolescentes.
Adolescentes com dificuldade de serem adolescentes, precisando amadurecer cedo enquanto lidam com um obscuro e descompromissado meio digital.
A estética é pródiga em escancarar a menarca social em que estamos mergulhados. Ando reparando nisso com meus olhos de senhora e me lembrando do que vivi na minha própria adolescência.
Você também chorava no quarto
Eu costumava brincar de "ser moça", o que na minha ilusão significava botar um salto da minha mãe, maquiagem forte, fingir que lidava com muito dinheiro e tinha liberdade para viajar.
Ser moça é bem mais complexo do que eu imaginava.
Ainda adolescente e já jovem nos anos 2.000, tive de lidar com a paradoxal necessidade de ter um corpo de menina com a cabeça de moça - ou de velha, como me aconteceu e a você também, num salto fenomenal de maturidade entre os 20 e os 30 anos.
Passam-se 20 anos, e ainda querem que a gente tenha corpo de menina, só que com cabeça e energia de adolescente.
Não dá. Para você dá?
Cabeça, corpo e alma aqui estão se reencontrando num tricô meio rabugento, mas certamente divertido, depois dos 40 anos. As lembranças daquela fase, porém, são indissociáveis de quem me tornei.
É assim para todo mundo, segundo os especialistas: somos sempre um pouco o que fomos.
Por isso, antes de ir, quero reforçar: a adolescência é uma fase que mora na gente para sempre, nos marca pelas feridas de rejeição e possibilidades de aprovação e pela sensibilidade aflorada da época.
O sucesso da minissérie da Netflix tem a ver com o crime, a misoginia, a questão dos pais sofrendo, a boa atuação do protagonista e, claro, o formato que deixou o pacote interessante para esses tempos de escassa atenção.
Mas falar de adolescência nunca deixa de ser cativante e atual.
É mexer numa cumbuca sentimental funda para todos nós - ainda mais porque, minha opinião como já disse, vivemos sob a égide dessa época da vida também em termos macro, de sociedade.
Minha versão adolescente se prestou a excessos, foi popular, recebeu os louros típicos que os bons estudantes ganham nessa fase, foi engraçada, bem relacionada. Parecia tão bem. Mas sofreu desgraçadamente no travesseiro, isolada, como costuma acontecer.
Eu não tenho filhos para ficar apavorada com o que estão fazendo no quarto, mas penso em todos os filhos do mundo chorando quietos dores que conheço, outras que nem imagino.
Senhora que sou, e adolescente que lá no fundo sempre serei, sei que todo exagero feliz pode esconder um duplo, proporcional e menos colorido. Sei também que nunca saberemos tudo uns dos outros - nem da gente mesmo e do que somos capazes.
Só uma sociedade em constante puberdade acredita no puro gozo, nosso e dos seus rebentos.
Quis falar com você que vê o mundo de outro prisma por isso.
É hora de amadurecer e assumir que estivemos chorando no quarto trancado nós também, e que continuamos a fazer isso.
“Adolescência” lembra que é hora de crescer e investigar os novos motivos.
3 filmes a mais pra você
filme Sweat, Mubi. A vida de uma blogueira fitness por trás do que acontece no seu Instagram não é tão feliz, muito menos tão completa como parece. Com um realismo evidente nas escolhas de edição e uma atuação belíssima da protagonista, o longa instiga reflexões profundas sobre quem vive da imagem virtual, trazendo luz ainda à atual epidemia de solidão.
filme As Ondas, Prime Video. Quem se emocionou com o último episódio de “Adolescência”, vai se emocionar ainda mais com este longa de 2020, que também mostra a sobrevivência de uma família após uma tragédia com um dos filhos. O pai severo, a irmã que precisa se permitir viver, está tudo ali com ótimas atuações e uma estética comovente e onírica.
filme Precisamos falar sobre Kevin, Prime Video. O já clássico longa de 2011 é daqueles que nunca mais sai da memória - da minha nunca saiu. O uso da cor da vermelha, aliás, todas as escolhas estéticas são um show à parte. A história é trágica: conhecemos um menino problemático e sua relação familiar desde pequeno até a tragédia que protagoniza e o que isso provoca na mãe.
Eu, o que faço e Pause
Oi, eu sou a @brufioreti 🙂.
Jornalista. Especialista em branding pessoal. Sócia do projeto Método Bold e mentora de carreira.
Defensora do repertório amplo e do combo ler/escrever para viver melhor. Generalista por natureza, interessada em comportamento, neurociência, emoções, arte, feminismo, moda e tendências.
Tenho 20 anos de jornalismo como editora em grandes redações, cobrindo principalmente Cultura, Comportamento, Moda e Beleza: os lugares que mais me marcaram foram a Revista Glamour, onde fui redatora-chefe por 5 anos, e o Estadão e seu extinto primo paulistano Jornal da Tarde, nos quais passei 6 anos.
Tenho 42 anos, vivo em SP desde 2006, há 9 anos empreendendo. Aos interessados, tenho 6 planetas no mapa em Libra, estou no meu terceiro casamento, tenho 3 gatinhos, zero filho.
Dezenas de cursos ministrados por mim, chuto pelo menos uns 15 como aluna entre pós e extensões. No mínimo 8 mil alunos e mentorados até aqui, palestras que não consigo mais contar. Um burnout pra conta e um sem-número de ideias pra dividir <3.
Nesta newsletter, tento sempre voltar à estaca zero e me lembrar do que realmente importa. Aciono o botão PAUSE e venho compartilhar sem pressa nem algoritmo coisas que me ocorrem gerundiando: vivendo, mentorando, botecando, estudando, ensinando. Trago crônicas despretensiosas, dicas culturais, sacadas que quem sabe podem inspirar aí.
PAUSE é para quem quer pensar novos moldes de vida e carreira e sabe que pausar é o único jeito de continuar em movimento. Essa lição, aprendi com muita força depois de passar por um burnout e faço questão de levar adiante.
obs. para saber mais dos meus trabalhos para além desta seara, acesse (para meu curso de branding pessoal) metodobold.com.br e também (para palestras e afins) brufioreti.com.br
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Bru, o texto e o vídeo no Instagram são de uma profundidade gigante. Algumas reflexões que você trouxe têm sido fonte de muita angústia pra mim nos últimos tempos. Ainda não assisti à série, que já está na minha lista infinita de “tenho que” - talvez por estar lidando na vida real com um adolescente e sofrer ao vê-lo nessa busca por aprovação e por sentir uma impotência diante da sociedade adolescente. Um pensamento recorrente é: parem o mundo, eu quero descer.