PAUSE 84 | A habilidade do futuro, no SXSW ou aqui
Um intensivão da vida: não fui ao festival como planejava; entre poemas e dias áridos percebi que a maior tendência é ter esperança
Há cerca de um ano, comecei a aventar a possibilidade de ir para o SXSW, o festival que está acontecendo enquanto escrevo este texto. Não estou lá, não fui.
O que aconteceu nesse meio tempo simboliza bem a vida de pessoas que, como eu, têm a impressão de que a trajetória é íngrime e sinuosa, embora estranhamente emocionante a cada esquina. Em certas épocas, nos sentimos como o Sísifo de Albert Camus, empurrando a pedra ladeira acima e aprendendo a desfrutar seu destino, um vaivém infinito.
Faz sol, floresce, aparece o príncipe, se abre o mar... mas sempre, sempre surge uma pedra no meio do caminho.
"Nunca me esquecerei deste acontecimento; na vida de minhas retinas tão fatigadas."
Eu também não, Drummond.
"E agora, José?"
Nem sempre tenho a resposta, mas costumo viajar mentalmente para Itabira, via seus poemas, buscando direção.
"Êta, vida besta, meu Deus" - emulo seus versos, e completo: "Vai, Bruna, ser gauche na vida!", rindo de mim mesma, da vida e da força da arte para ajudar a gente a trocar autocomiseração por esperança.
De 2024 pra cá, não preparei a viagem para Austin, mas voltei a trabalhar num ritmo novo e feliz e comecei a estudar sobre esperança. Esperança como emoção e filosofia; sua diferença da fé, sua semelhança com o "sentimento do mundo" que eu acredito ser o mais importante numa época de tanta transformação e medo.
"Mundo, mundo vasto mundo..."
Eu não sabia que ia precisar tanto de Drummond, de arte e da esperança que estudei. Jamais imaginaria que a não viagem para o Texas seria uma economia (de $, tempo, energia...) bem-vinda, depois de já ter perdido uma outra, para Paris.
A pedra, a ideia de Sísifo, a poesia concreta da vida desfaz dos nossos planos.
Quando uma doença aparece na família, com alguém tão próximo, o mundo fica em suspenso, em forte neblina.
Até que a pedra carregada, por mais pesada e pontiaguda que seja, se acomoda nas costas e passa a ser levada com certa normalidade. Seria essa uma das funções da esperança: nos permitir caminhar em solo arenoso com passos mais confiantes, aguardando o oásis que um dia há de vir?
"Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança." (Ele, o poeta de Itabira mais uma vez)
Não voei para Austin, fiquei aqui reaprendendo a caminhar.
Tentando fazer a minha parte diante das dores que nunca senti e tocar a vida esperançosamente, trabalhando, amando... Tomando uma cerveja também, forjando pequenos oásis em dias menos áridos.
A vida está boa. Não vou incluir adversativas, fiquei aqui aprendendo isso também.
As previsões do festival chegaram a mim de tal forma que percebi uma semelhança entre a minha visão e a de muitos speakers do evento: ninguém tem muita certeza de nada, ninguém pode cravar o que vai ser. Uns são mais otimistas - até demais para o meu gosto -; outros mais céticos; a maioria, pelo que percebi, esperançosa.
Boa parte do que entendemos de futuro não nos pertence, como planeta ou humanóides. O pedacinho que nos cabe, a gente carrega montanha acima todo dia, "sisifamente".
Viagem para longe, não vou planejar tão cedo, vou ficar e virar uma entendedora de esperança, talvez a mais útil das habilidades do futuro. Do presente.
Montanha acima, vou contando para vocês.
Um pouco mais de Drummond
Ainda no colégio, participei de um grupo minúsculo que estudava o gênio Carlos Drummond de Andrade, com uma criatura inspiradora, que era o professor Paulinho.
Esse período, em que, curiosamente, minha mãe também passava por uma experiência dificílima de saúde, foi muito marcante para mim. Sabe aquelas épocas que te moldam, te esculpem (com a dureza mesmo de um escultor na pedra)? Foi assim.
Ouvia muito Chico Buarque, me aprofundava em Drummond, Rilke, Vinicius, Baudelaire & cia, estudava disciplinadamente já sabendo que ia prestar jornalismo.
O tempo rendia. Dava aula particular, ia pra academia e era muito boa em chorar.
Em rir também. Tinha umas 17 "vozes oficiais", voraz imitadora amadora que era, e, ah, sim, bebia mais do que meu tamaninho permitia.
Até que não mudei tanto assim...
"A vida parou, ou foi o automóvel?"
"Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas."
"Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã."
Leiam Drummond. Tudo e qualquer coisa dele.
Tem uma maestria no uso da Língua Portuguesa que inspira a escrever e a pensar melhor - nos deixa mais articulados mesmo, sabe?
Tem muita sabedoria e esperança, mesmo a desesperançada, ali.
Eu, o que faço e Pause
Oi, eu sou a @brufioreti 🙂.
Jornalista. Especialista em branding pessoal. Sócia do projeto Método Bold e mentora de carreira.
Defensora do repertório amplo e do combo ler/escrever para viver melhor. Generalista por natureza, interessada em comportamento, neurociência, emoções, arte, feminismo, moda e tendências.
Tenho 20 anos de jornalismo como editora em grandes redações, cobrindo principalmente Cultura, Comportamento, Moda e Beleza: os lugares que mais me marcaram foram a Revista Glamour, onde fui redatora-chefe por 5 anos, e o Estadão e seu extinto primo paulistano Jornal da Tarde, nos quais passei 6 anos.
Tenho 42 anos, vivo em SP desde 2006, há 9 anos empreendendo. Aos interessados, tenho 6 planetas no mapa em Libra, estou no meu terceiro casamento, tenho 3 gatinhos, zero filho.
Dezenas de cursos ministrados por mim, chuto pelo menos uns 15 como aluna entre pós e extensões. No mínimo 8 mil alunos e mentorados até aqui, palestras que não consigo mais contar. Um burnout pra conta e um sem-número de ideias pra dividir <3.
Nesta newsletter, tento sempre voltar à estaca zero e me lembrar do que realmente importa. Aciono o botão PAUSE e venho compartilhar sem pressa nem algoritmo coisas que me ocorrem gerundiando: vivendo, mentorando, botecando, estudando, ensinando. Trago crônicas despretensiosas, dicas culturais, sacadas que quem sabe podem inspirar aí.
PAUSE é para quem quer pensar novos moldes de vida e carreira e sabe que pausar é o único jeito de continuar em movimento. Essa lição, aprendi com muita força depois de passar por um burnout e faço questão de levar adiante.
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