PAUSE 83 | Descansar é ser bem-sucedida
Na semana do 8M, damos um pulinho em Pasárgada espiar o que descobríamos lá, depois de boas horas de sono como amigas da rainha
Dia desses me disseram que há uma trilha sonora comum às nossas infâncias: o chiado da panela de pressão.
O símbolo da mãe que trabalhava fora, ou não, mas estava lá botando água no feijão, se desdobrando em dez no pré-almoço para despachar as crianças e seguir a sua toada de afazeres infinita.
Essa mãe, essa mulher-polvo, sempre ocupada, levemente mal humorada, que sentava pouco à mesa e pilotava o... não, não só o fogão, pilotava a casa.
Sem levar crédito por isso, claro.
O som da panela de pressão e a névoa de vapor tomando a vozinha; o cheiro do refogado de alho e cebola; o toque frio das mãos dela (lavando louça non stop): símbolos nacionais da vida feminina.
Sob pressão. Tentando adiantar a vida; se sentindo sempre atrasada.
Essa mulher que nunca soube o que era "fazer nada" e que provavelmente julgava as vizinhas que se permitiam cair na "vadiagem". Essa que se aprumava no fim do dia ou nas ocasiões especiais com o mesmo esmero que montava um “peéfe” com direito a ovo frito em cima.
Nossas avós, nossas mães, talvez você mesma que esteja lendo. Duras consigo mesmas e umas com as outras.
Nossas panelas de pressão não são exatamente as mesmas, mas a necessidade de criar tentáculos aparece cedo para as meninas. Para os meninos, ah, pode esperar.
Nunca nos é informado que precisamos desenvolver a fabulosa capacidade de fazer nada. Fechar as bocas - as do fogão e as das pessoas - e colocar as pernas para cima, não necessariamente fechadas.
Nem tão boas meninas.
Pouco nos contam que nem tudo é obrigação da mulher, que "dar conta de tudo" não é o maior elogio que podemos receber. Aliás, que não precisamos de elogio para sobreviver.
Podemos tirar notas ruins e nos sair bem depois, mudar de ideia no caminho, fazer sucesso e depois nos perder. Sair do eixo, voltar pra ele, mudar de eixo.
Hoje em dia, pelo menos, fala-se mais dos nossos poderes.
Talvez não se fale o suficiente do superpoder que é uma mulher ser ambiciosa, talentosa, e mesmo assim se permitir não fazer nada.
Descansar é um superpoder que as que vieram antes de nós só puderam acessar à força, quando não conseguiam mais "levar o corpo junto com seu samba".
Nunca interessou a ninguém que as mulheres parassem - parassem pra pensar.
Por isso, até hoje o discurso que adotamos é que precisamos fazer o dobro para chegar lá - quase que orgulhosamente ocupadas.
E somos as maiores algozes de quem não se esforça - convencendo a nós mesmas de que estamos no caminho certo por estar tão atoladas.
Assim, a mil, chegaremos lá.
Onde é lá mesmo? Certeza que lá é o destino? Alguém confirma quanto demora?
Se lá chegarmos e for essa Pasárgada toda, e nós, amigas da rainha (emulando o poema de Bandeira)…
Ah, então…
Quando chegarmos, algumas de nós estaremos tão exaustas que vamos querer dormir sete dias a fio - ou descansar no sétimo dia -, estranhando se não houver alguém cutucando com alguma demanda extra.
Estaremos tão (mal)acostumadas a depender dos aplausos pela nossa condição de polvos que nos ensurdeceremos contentes com o silêncio e a estranha satisfação de nos bastar.
Lembraremos que somos humanas, bípedes, animais. Pessoas que se esforçaram tanto a ponto de ficar com cérebros queimados, mãos calejadas, coração ainda mais.
Nos olharemos nos espelhos que nos entregaram na infância como uma bíblia a seguir e notaremos que os nossos são cabelos bonitos.
Por que mesmo passamos a vida odiando esses fios, esses rostos, esses corpos?
"Nos olhamos a vida toda em espelhos distorcidos", constataremos, juntas e estupefatas, entre uma soneca e outra, nos deleitando com a beleza que já tínhamos sem saber e o sono que já nos pertencia por direito. Livres de olheiras, livres de pensar nelas.
Essa pequena utopia, uma espécie de greve geral feminina, não só pararia o mundo, como sacudiria suas estruturas porque colocaria na última panela de pressão restante o mais apimentado dos ingredientes: o questionamento.
Precisava ter sido assim?
Isso tudo era nossa responsabilidade mesmo?
Podemos trocar a roupa da alma, botar um belo pijama e ainda assim estarmos certas do nosso valor?
Descansar, dormir, fazer nada: chame como quiser, mas chame isso pra sua vida porque a Pasárgada de cada uma é agora.
Seja qual for sua ambição, sua idade, sua história, sua condição, você merece reconhecer seu valor para além do que faz.
Deitar e se espreguiçar sem correria, minha irmã, é revolucionário.
3 livros para mulheres que não descansam
Da infinidade de livros que tratam da exaustão feminina e as prisões que nos cercam, lembro hoje de três.
“Como arrumar a casa quando a vida está caótica”, KC Davis. Um guia prático e libertador para quem vive às voltas com a rotina de casa.
“Caderno Proibido”, Alma de Céspedes. Um livro clássico que traz o olhar íntimo de uma dona de casa em sua prisão domiciliar de afazeres.
“Autocuidado de verdade: Um programa transformador para redefinir o bem-estar (sem cristais, purificações ou banhos de espuma)”, Pooja Lakshmin. A autora bate na tecla do que é o real autocuidado: estabelecer limites, ter compaixão por si mesma, deixar seus valores claros.
Eu, o que faço e Pause
Oi, eu sou a @brufioreti 🙂.
Jornalista. Especialista em branding pessoal. Sócia do projeto Método Bold e mentora de carreira.
Defensora do repertório amplo e do combo ler/escrever para viver melhor. Generalista por natureza, interessada em comportamento, neurociência, emoções, arte, feminismo, moda e tendências.
Tenho 20 anos de jornalismo como editora em grandes redações, cobrindo principalmente Cultura, Comportamento, Moda e Beleza: os lugares que mais me marcaram foram a Revista Glamour, onde fui redatora-chefe por 5 anos, e o Estadão e seu extinto primo paulistano Jornal da Tarde, nos quais passei 6 anos.
Tenho 42 anos, vivo em SP desde 2006, há 9 anos empreendendo. Aos interessados, tenho 6 planetas no mapa em Libra, estou no meu terceiro casamento, tenho 3 gatinhos, zero filho.
Dezenas de cursos ministrados por mim, chuto pelo menos uns 15 como aluna entre pós e extensões. No mínimo 8 mil alunos e mentorados até aqui, palestras que não consigo mais contar. Um burnout pra conta e um sem-número de ideias pra dividir <3.
Nesta newsletter, tento sempre voltar à estaca zero e me lembrar do que realmente importa. Aciono o botão PAUSE e venho compartilhar sem pressa nem algoritmo coisas que me ocorrem gerundiando: vivendo, mentorando, botecando, estudando, ensinando. Trago crônicas despretensiosas, dicas culturais, sacadas que quem sabe podem inspirar aí.
PAUSE é para quem quer pensar novos moldes de vida e carreira e sabe que pausar é o único jeito de continuar em movimento. Essa lição, aprendi com muita força depois de passar por um burnout e faço questão de levar adiante.
obs. para saber mais dos meus trabalhos para além desta seara, acesse (para meu curso de branding pessoal) metodobold.com.br e também (para palestras e afins) brufioreti.com.br
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Que delícia de texto!