PAUSE 78 | Analógica e grandona
Usando as habilidades de quem nasceu nos anos 1980 e aprendendo a lidar com a sabotagem feminina, que ainda está entre nós. Essa sou eu, mas pode ser vc :-)
PAUSE PRA PENSAR
A delícia de saber ser analógica
Primeiros meses de 1982. Na cidadezinha onde todo mundo se conhecia, só tinha sinal para Globo e SBT. Ouvia-se sertanejo raiz na rádio local, AM. O programa preferido era passear na praça da Matriz e tomar sorvete, talvez já houvesse o sabor desconhecido por gente da cidade grande, macaúva.
Ela andava enjoada demais, devia ser pelos 13 remédios que tomava sem conseguir forrar seu estômago diminuto. Ser mulher nos anos 1980 não era para fracas (um dia já foi ou é?). Insatisfação era sinal de loucura, caso de internação. Bem...
Náusea de gravidez não podia ser, já que, por orientação médica, o marido tinha feito a primeira cirurgia de vasectomia da região. Não tinha erro.
Teve. Nasci.
Vim fazer companhia para duas irmãs, que me faziam rir o dia todo - e às vezes me assustavam escondendo atrás da cortina e me chamavam de “cocô", como é de costume nas relações hierárquicas entre irmãos.
Elas passavam seus dias longos entre livros, balé, clube, desenhos e andanças de bicicleta nas estradas de terra ao redor da nossa casa.
Às vezes íamos trabalhar com o pai na feira ou viajávamos cantando satisfeitas, sentadinhas com as frutas e verduras na Kombi que ele usava para vender de casa em casa.
Ouvíamos gravações de fita cassete, dançávamos perto da vitrola, esperávamos para ver a Sessão da Tarde tomando leite com achocolatado, rezávamos antes de a minha mãe apagar a luz para dormirmos todos na mesma hora, com uma calmante luz verdinha no corredor.
Nada de telas, nada de ruídos, a não ser o das cigarras. Deitar e dormir.
Tínhamos um tempo comum, um estilo síncrono de viver que quem cresceu antes da internet pôde experimentar.
Analogicamente, eu tinha como programa preferido ir à biblioteca e sair carregada de promessas de novas histórias por duas semanas. Com as amigas, nadava, jogava bola, criava brincadeiras, pisava na terra, me escondia nas construções do bairro.
Sem fazer ideia do que se passava no mundo, fui trocando o Bozo pela Xuxa pela TV Colosso por Malhação. Brinquei com todos os gatos e cachorros que se alojavam em casa, sem muita vontade de encontrar um videogame - que eu jogava só eventualmente na casa dos amigos que tinham.
Analogicamente, vim ao mundo com saúde, desafiando a ciência da época - ou os limites dos meus jovens pais.
Vivo há 42 anos nesse mundo. Estou bem conectada ao virtual, é meu trabalho e meu normal, mas nunca perdi os pés no chão de quem passou a infância descalça, procurando vagalume.
Tenho para mim que ter paz no analógico é uma vantagem, uma bênção, até. Como é preciosa a vida intertelas, essa que ainda acontece no modo síncrono aqui fora.
Nessa vida que não precisa de tela nem tempo congelado, hoje é meu aniversário. Não preciso de muito mais do que tenho para comemorar. Ter nascido em 1982, onde e como nasci, me ensinou isso.
PAUSE PRA CRIAR
Quando elas (ainda) tentam nos sabotar
Hoje trago uma reflexão sobre as pessoas que mal te conhecem, porém se sentem confortáveis para ativamente falar mal de você e tentar te sabotar. Na verdade, trago um recorte feminino disso - se fosse outro, convenhamos, não caberia nem num livro, quiçá numa newsletter. Seria um tratado infinito de dominação masculina das sutilezas às grandes coisas.
Hoje, falo um pouco da competição feminina na esfera profissional, se é que dá para dividir.
Tenho para mim que as mulheres que tentam colocar areia no prato do outro são extremamente inseguras, do tipo que compete com a própria sombra e guarda fantasmas enormes no armário. Estão amedrontadas e até por isso costumam subir na arrogância e fazer artimanhas para tentar manter quem supostamente as ameaça longe do seu mundinho. Longe e pior, para que seja suportável.
Aconteceu um episódio do tipo recentemente comigo, e a informação caiu no meu colo. O que fiz com ela? Nada, como em 99% das vezes que soube de sabotagens e traições, porque pago para não entrar em briga, em nome da minha saúde mental. E porque não ia fazer diferença, frequentemente não faz. Cá entre nós, a tentativa de sabotagem foi natimorta.
Mas a reflexão ficou. Aliás, reflexões.
A primeira delas é essa, sobre a insegurança extrema de quem não se contenta com o seu quinhão e vê todo mundo como competidor em potencial. Estou ainda, e cansadamente, falando sobre mulheres achando que têm que competir entre si com tanto empenho.
Empreendedoras, executivas e artistas com informação sobre feminismo, mas que ainda não conseguem praticar generosidade e empatia com aquelas que não lhes dizem amém. Sororidade com a que você considera inferior é fácil, né? Quero ver apoiar e entender mulheres cheias de camadas, difíceis, fortes, bem-sucedidas, melhores que a gente em alguma coisa.
Quero ver mesmo, não é ironia.
É essa a mais interessante das relações femininas: a que não tenta sabotar as outras com as quais o santo não bate.
O meu santo, aliás, a minha santa, não bate com a de muita gente. Mas, a menos que seja insustentável expor algo e seja grave, não vou mexer com alguém que, como eu, precisa brigar por espaço com metade da população, a masculina, que sempre sai na frente.
Taí um limite aceitável, não?
Segunda e breve reflexão: as que mais falam sobre apoiar mulheres e fazem discursos inflamados demais sobre o apoio feminino muitas vezes são as que mais fingem. Que lástima, que terror escrever isso. Mas o faço sem acusá-las de antifeministas. Nós também fazemos parte de um sistema e somos, portanto, hipócritas, paradoxais, mulheres tentando nos desconstruir.
Há algumas, porém, que não parecem estar tentando onde precisamos mais: no bastidor. Que só surfam na onda mesmo.
Conheço de perto gente grande desde os primeiros movimentos midiáticos femininos, e são algumas das maiores algozes de mulheres não submissas a elas que conheço.
Uma generalização, evidentemente, baseada na minha experiência.
No entanto, hoje, quando vejo uma mulher dessas subir ao palco - e a que palcos algumas têm acesso - para defender pautas femininas lamento internamente, porque redes de apoio e negócios liderados por mulheres para elas só servem se forem elas as líderes, ou as mentoras, as chefes, as donas, as porta-vozes, as mais-mais.
Ainda assim, confesso: prefiro que sejam elas do que eles, porque esses espaços precisam ser tomados, e o gap de gênero ainda é assustador…
Uma terceira reflexão diz respeito à parte que mais nos cabe como indivíduos: construir uma carreira com base, com entrega, que transcenda o discurso. Precisamos sustentar as ideias com ações, entregas, olho no olho e transparência no trato. Infelizmente precisamos nos provar não só para os homens, como para outras mulheres, que historicamente têm o pé atrás umas com as outras.
Ninguém precisa gostar de mim - a unanimidade é burra e indesejável para o posicionamento bem-feito. Mas de fraca no que faço ou de mentirosa nunca me chamaram. Isso me basta. A simpatia, entreguei todas as vezes em que foi preciso e possível. Nem sempre foi.
Tem um custo. Às vezes, vai aparecer gente tentando pisar no meu calo de graça - ou na mente da pessoa, com muita razão de ser, pois posso ter pisado no calo (no ego frágil) dela.
Meu ego é forte. Meu santo, mais forte ainda. Meu trabalho, então, é tipo um lutador, um fisioculturista (foi crescendo com muito treino até ficar grandão até demais para quem nunca teve nenhum “boost” vindo de berço - ou seja, nunca tomou o “suco” rs).
E esse texto nem é sobre mim…
Deixe que falem de você, entenda o lado da pessoa: você nem sempre vai agir da forma como o outro espera, ainda mais nessa fase madura da vida e da profissão. Nem sempre vai ser boazinha e fingir ser pior e menor que quem te enfrenta. Nem sempre vai fazer amigas pelo caminho. Pode fazer boas parceiras, mas não cabe só a você decidir.
Deixe o seu trabalho e a sua reputação responderem em uníssono. E não rebata na mesma moeda.
Você não é das moedas, você é dos milhões.
PAUSE PRA LER
Clube do livro: data do encontro
Amores, tá marcado nosso próximo encontro para o Clube do Livro Pause: Domingo dia 27, das 10h às 11h30, no Zoom.
Aproveitando pra recordar qual obra estamos lendo abaixo, pra quem chegou agora. E logo trarei referências extras, de filmes e tals, pra dialogar com o texto.
Outubro: Ainda Estou Aqui, Marcelo Rubens Paiva.
Por que tem a ver com Pause: Confesso que fui influenciada pelo fato de este livro ser o que inspirou o filme homônimo nacional premiado em Cannes e que está alçando Fernanda Torres à posição de candidata a melhor atriz no Oscar. Até ver o filme, e torcer para que essa promessa belíssima se concretize, proponho ler na fonte. Tem uma escrita fluida, deliciosa. Drama familiar no contexto da ditadura brasileira, com pensamentos sobre a memória, ou falta dela.
Pause é…
Esta newsletter tem um ano e meio e se reafirmou recentemente como um local de textos e referências para pensar novos moldes de vida e de carreira. Ganhou o nome PAUSE para lembrar que às vezes é preciso pausar para continuar em movimento - seja descansando, repensando a vida, lendo, revendo conceitos, mudando a direção…
Estudo comportamento, branding pessoal, moldes de carreira, tendências e uso abundância de referências desde sempre. Isso está aqui. Depois do burnout que tive dois anos atrás, passei a olhar ainda mais criticamente para os temas que sempre estudei, e agreguei mais saúde mental, bem-estar e “relax” para o combo. Então isso também paira nas nossas conversas.
O resultado é esta newsletter, que passou a ter versão de assinatura paga (R$35 por mês), com conteúdos novos e exclusivos.
Recordando o que temos aqui:
Clube do Livro e do Repertório, com encontros virtuais para assinantes
Insights e ideias de branding pessoal, carreira e outros temas quentes para assinantes, com exclusividade
Eventuais descontos em projetos especiais
Claro, o texto mais lúdico da newsletter semanal, que continua gratuito
Eu, o que faço e Pause
Oi, eu sou a @brufioreti 🙂.
Jornalista. Especialista em branding pessoal e transição de carreira. Defensora do repertório amplo e do combo ler/escrever para viver melhor. Generalista por natureza, interessada em comportamento, neurociência, emoções, arte, feminismo, moda e tendências.
Tenho 20 anos de jornalismo como editora em grandes redações, cobrindo principalmente Cultura, Comportamento, Moda e Beleza: os lugares que mais me marcaram foram a Revista Glamour, onde fui redatora-chefe por 5 anos, e o Estadão e seu extinto primo paulistano Jornal da Tarde, nos quais passei 6 anos.
Sou das Humanas, mas trago números para me apresentar, veja você.
Tenho quase 42 anos de vida, 18 anos vivendo em São Paulo, 8 anos de empreendedorismo, 6 planetas no mapa em Libra, 2 casamentos, 2 gatos, zero filho.
Dezenas de cursos ministrados por mim, chuto pelo menos uns 15 como aluna entre pós e extensões. No mínimo 8 mil alunos e mentorados até aqui, palestras que não consigo mais contar.
Uns 5 projetos iniciados e não terminados, livro sendo escrito. Muitos porres nesta vida, poucos palpites sobre outras.
Um burnout pra conta e um sem-número de ideias pra dividir <3.
Nesta newsletter, tento sempre voltar à estaca zero e me lembrar do que realmente importa. Aciono o botão PAUSE e venho compartilhar sem pressa nem algoritmo coisas que me ocorrem gerundiando: vivendo, mentorando, botecando, estudando, ensinando.
Trago leituras, práticas e Clube do Livro para quem quer pensar novos moldes de vida e de carreira e sabe que pausar é o único jeito de continuar em movimento.
Ah, essa lição, aprendi com muita força depois de passar por um burnout e faço questão de levar adiante.
obs. para saber mais dos meus trabalhos para além desta seara, em palestras e cursos, acesse brufioreti.com.br
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