Um causo.
Duas amigas se tornaram empreendedoras porque não se enquadravam mais nos moldes das empresas em que trabalhavam, com salários baixos e pouco reconhecimento. Criativas e com bons contatos na área, aventuraram-se há uns dez anos a criar uma empresa para prestar serviços, tendo “apenas” o seu nome como patrimônio. Muita coisa aconteceu. Sua área de atuação mudou drasticamente, elas continuaram a ser respeitadas, mas foram sendo pouco a pouco negligenciadas em meio a tantos outros rostos mais jovens e atrativos nas redes sociais. Elas não se intimidaram. Foram se reinventando, adequando os serviços, mas o dinheiro passou a ser insuficiente. Essa dupla não vai desistir, nem pode se dar a esse luxo. Mas parte dessa força para seguir vem de terem uma à outra. Uma sociedade baseada em companheirismo, respeito e aquele cutucão carinhoso quando alguma desanima. São uma dupla, e por isso ainda são. Se fossem solo, provavelmente já teriam partido para caminhos mais óbvios.
Muitas de nós estamos sentindo falta de trocar sobre a amarga sensação de que o que funcionava antes não funciona mais. Queremos ter alguém em quem confiar.
Outro causo.
Uma conhecida junta dinheiro até que consegue trilhar um novo caminho profissional sem as amarras de um chefe abusivo. Pouco consciente dos seus cacos emocionais ainda presentes, vai com tudo na carreira solo e consegue se dar bem. Carrega consigo contatos de toda uma trajetória anterior e uma experiência robusta em driblar problemas. Faz dinheiro. Ela só começa a estranhar as coisas quando entende algo peculiar dessa vida que antes chamava de freelancer, hoje chama de empreendedora: a dificuldade em tomar decisões sozinha quando o tempo fecha. Medos e problemas pessoais se misturam a comparação e uma sensação de obsolescência. Brota uma insegurança nova, que afeta as contas pessoal e jurídica, devidamente separadas no papel, porém não na cabeça. Ela não quis ter uma sociedade, e nunca aconteceu de ter alguém bacana por perto. Só que agora está fazendo falta, ela me confessou, porque sente falta de trocar sobre a amarga sensação de que o que funcionava antes não funciona mais. Só queria ter alguém em quem confiar de verdade, ela diz, alguém que entendesse os problemas ou que, pelo menos, estivesse ali para dizer um singelo: “vai ficar tudo bem, vamos tentar de novo”.
Muitos causos poderiam ser contados para ilustrar algo que conheço de perto e você provavelmente também: empreender hoje é uma realidade imposta a muitas de nós (e frequentemente desejada), mas não estamos necessariamente preparadas para isso. Ainda mais em jornada solo.
Estamos aprendendo a empreender empreendendo. Mas também começamos a descobrir novas dores cujos remédios muitas vezes ainda não existem, porque o cenário está em constante mudança.
Ao embarcar nessa, vamos aprendendo como fazer, claro. Mas também começamos a descobrir novas dores cujos remédios muitas vezes ainda não existem, porque o cenário está em constante mudança. Nessas horas, as mulheres das histórias acima, assim como a gente, adorariam ter ao menos um - na verdade dois ouvidos amigos. Ouvidos sócios. Atentos, preocupados, engajados, nem que fosse por algumas poucas horas.
Acontece que encontrar os ouvidos certos é muito mais complexo do que parece. Ainda mais para mulheres. Estamos agora num movimento coletivo intencional reaprendendo a nos relacionar no campo profissional. Desconfiando da desconfiança que aprendemos a ter com outras mulheres. Pouco a pouco, tomando coragem de chamar conhecidas para conversar sobre trabalho, trocar ideias e soluções, pedir ajuda e estender a mão na mesma proporção. Paulatinamente, nos associando mais porque entendemos, na prática, que precisamos disso.
Os ouvidos não têm gênero, obviamente. Citei a parceria feminina porque percebo como a conexão entre mulheres na esfera empreendedora, com todas as suas peculiaridades, é especialmente benéfica. O melhor dos mundos, na minha opinião e de acordo com uma série de pesquisas, seria unir iguais e diferentes para ampliar não só a rede de apoio, mas os acessos e os resultados. Precisamos, no entanto, nos lembrar constantemente de colocar os nossos pares na mesa, porque a gente ainda não está lá na mesma proporção que os homens.
Precisamos nos lembrar de colocar as mulheres na mesa, porque a gente ainda não está lá na mesma proporção que os homens.
Há uma realidade coletiva com a qual lidar e uma urgência pessoal por mais conexão e ajuda que muitas vezes fica escondida no escritório de cada uma.
Mesmo solo nunca somos solo, precisamos dos outros e os outros precisam da gente. O empreendedorismo nos ensina que o viés colaborativo é rentável e, sem dúvida, bem mais saudável.
Penso no que eu mesma considerava a figura clássica do empreendedor até pouco tempo. Aquele cara agilizado, cheio de ideias, o “vereador” da turma, que dá nó em pingo d’água.
Convenhamos, boa parte de nós que não nascemos com essa veia natural nos vemos impelidos a empreender nos últimos tempos, então os perfis podem ser bem diferentes desse aí. A começar pelo pronome e o que carrega, como a falta de estímulo para cultivar uma rede de contatos profissional e os nós em pingos d’água que precisam primeiro ser desatados, antes de ser criados. A verba é mais difícil, há descaso, preconceito, tarefas e papéis sociais que se acumulam e a solidão que, via de regra, é maior.
Não deveria mais ser.
Estou aqui conclamando que nos vejamos como pares, não como competidoras. Sempre vai ser preciso filtrar quais pessoas são de confiança, o que não significa partir da premissa de que todas as mulheres estão prontas para te passar a perna. Vá por você mesma: você é assim? Se não é, por que acha que as outras todas serão vilãs? É uma construção social da qual nenhuma de nós escapa. Requer esforço e prática quebrar esse paradigma, mas vai que vai quando a gente começa, viu?
Eu mesma tive tantas experiências negativas com amizades femininas… Nossa! Só que fui nos últimos anos ressignificando essas histórias e entendendo como eu dava a elas um peso maior do que as muitas boas conexões e amizades com mulheres que tive e tenho - muito mais numerosas e relevantes do que as traições e decepções daquela meia dúzia.
Ter sócia é espetacular. Ter amigas é um elixir. Estar com mulheres em quaisquer níveis de conexão é um espelho importante, uma oportunidade de crescer e de apoiar.
Isso mudou a minha vida. Ter sócia é espetacular. Ter amigas é um elixir. Estar com mulheres em quaisquer níveis de conexão é um espelho importante, uma oportunidade de crescer e de apoiar. Eu não troco isso por nada.
E te convido a experimentar ser sócia por um dia daquela amiga ou conhecida que sinalizou a solidão profissional - ou empreendedora, para ser mais específica. Mesmo quando não parece, quando ela cresce, você também sai ganhando.
Eu e o que escrevo
Textos, indicações e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Costumo dizer que a minha história é ajudar você a (re)escrever a sua.
Sou jornalista graduada pela Unesp, fissurada em ler e escrever desde pequeninha. Trabalho hoje com carreira, branding pessoal e posicionamento digital, sempre atrelando a comunicação a novos moldes profissionais para ampliar a felicidade feminina. Na prática, além de produzir conteúdo, dou palestras, treinamentos e cursos para pessoas e empresas.
Tenho, entre outras, pós-graduação em Mkt Político na USP e faço em Psicologia na era digital na PUC. Cursei temas variados, como Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por mais de 17 anos até começar a ensinar e mentorar profissionais. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada.
Para dividir com mais gente a minha escrita e as minhas ideias de forma livre e um pouco mais literária, publico este Descarrego semanal, que traz reflexões e desabafos sobre questões contemporâneas que me afligem ou acolhem.
Nas redes sociais, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
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Sinto tanto essa solidão!! Tive uma sócia, maravilhosa, que precisou mudar de país e de vida. Daí já se vão 10 anos. Tantas ideias e projetos na cabeça, mas falta aquele apoio, aquela sócia pra pensar junto e motivar para a ação, dividir as angústias e os louros.