Descarrego #59 | Qual seu novo "divertidamente"?
E se eu te disser que novas emoções ainda estão surgindo aí? Quais você detectaria?
Quando a gente estuda emoções, uma das primeiras coisas que aprende é a importância de nomeá-las. Porque elas não são, em si mesmas, boas nem más. Tampouco podemos garantir que sejam experimentadas da mesma maneira por cada um. O que humildemente nos cabe é decifrá-las usando a linguagem para tentar lidar com elas - domá-las, quem sabe? Quando Divertidamente 2 entra em cena com as novas emoções de uma menina na puberdade e nos apresenta a grand entrance de ansiedade, tédio, vergonha e inveja, fica impossível não rememorar a instalação dessas emoções na nossa vida, numa retrospectiva agridoce de como, à época, sofremos e sorrimos sem conseguir dar nome ao que nos arrebatava sem aviso.
E hoje, já marmanjos com cabelos grisalhos, será que ainda experimentamos emoções inéditas? Estariam os “divertidamente” trintões ou quarentões fazendo sua estreia triunfal e inesperada na nossa central de controle? Eu e os meus nos pegamos pensando nisso.
“E se em vez de apenas nomear as emoções, a gente pudesse brincar de personificá-las?”
Há muitas linhas de pesquisa sobre emoções e muitas formas de encará-las. As básicas podem ser as mesmas do filme ou podem ser expandidas; as secundárias e adjacentes também têm inúmeras variações. Seja quais forem seus nomes, dizemos que elas ganham valências positiva ou negativa de acordo com o que fomentam na prática. A tristeza, por exemplo, costuma ter valência negativa por gerar reações desagradáveis. No entanto, podemos pensar em suas variações mais complexas, como a nostalgia, que dar o ar da graça no filme, aliás. É uma prima da tristeza, que gera uma sensação ruim mas boa, ou boa mas ruim, de rememorar algo ou um tempo gostoso que não vai existir mais.
Saudade, essa palavra tão nossa, não teria também essa dupla valência, positiva e negativa, muitas vezes? Ah, e por falar em saudade, como anda a trilha sonora que você teima em ouvir para sentir o aperto no peito triste-feliz daqueles tempos?
Paradoxos emocionais, temos. Um cérebro que mistura passado, presente e futuro, temos também.
É por isso que falar em emoções dessa forma, divertidamente, é bom: rouba a complexidade do que sentimos e nos permite visualizar e personificar delícias e dores complexas - dores muitas vezes físicas, porque o cérebro processa dores físicas e emocionais na mesma região, que fique registrado.
"Como seria a cara, o corpo, a postura e a personalidade das emoções novas que você vem experimentando agora, na maturidade?”
Se personificar emoções parece até mais eficiente que a clássica técnica psicológica de nomeá-las, por que não tentar um pouco mais desse desenho?
Pois eu pergunto: como seria a cara, o corpo, a postura e a personalidade das emoções novas que você vem experimentando agora, na maturidade? E, se é pra brincar, que seja bem livre e lúdica a nossa classificação pessoal de emoções!
Tem um medo específico da minha faixa etária, 40 e tals, que ando farejando em muitos dos meus amigos. Antes de dar nome a ele, vou descrevê-lo. Ele tem tremedeira, é levemente corcunda, caminha rápido e é mandão à beça. Um mandão do bem, do tipo preocupado, sabe? Quer controlar tudo, para deixar resolvido, é o jeito dele de esconder a tremedeira e o olho saltando sem avisar. Tem cara de meia idade, mas é boa pinta e se vê jovem no reflexo do espelho. Gosta de se fazer de positivo, conta piadas, mas a real é que pensa pacas em dinheiro, calcula toda hora como ganhar mais e, claro, não sai do celular. É ele: o medo de perder os pais.
Para alguns, esse “divertidamente” vem antes, mas em geral, aflora quando os pais estão na faixa dos 70, 80 anos, e nos pega desprevenidos. Não é uma simples emoção, é um emaranhado de emoções num só corpo, que fomenta ao menos uma emoção de valência positiva como consequência. Ela, empolgada porém calma, sempre tomando um chá e ouvindo causos: a paciência com os mais velhos. Sempre acompanha de sua irmã mais chegada, a vontade de aproveitar o momento. Essa, aventureira, sempre pronta pra colocar um tênis e passear, risonha, afeita a surpresas, com cabelo desgrenhado e um gosto peculiar por tomar chuva.
Valências positiva e negativa sempre ali, juntas, num (des)equilíbrio que nos faz humanos.
“Um 'divertidamente’ que está surgindo em muitos amigos na faixa dos 40: o medo de perder os pais.”
Como é útil o lúdico para pensar nas emoções! Quando mesmo achamos que isso só era útil para educar emocionalmente crianças? Brincando, torna-se empolgante, em vez de amedrontador, pensar na chegada desses novos personagens na nossa mente que se supõe madura, mas está sempre evoluindo.
Para quem não acompanhou, atualmente a ciência comprova a elasticidade do cérebro humano e a produção de neurônios ao longo da vida, então, sim, continuamos evoluindo.
Evolutivamente, aliás, damos mais atenção às emoções negativas, aquelas que nos pouparam de muitas perdas ao longo da história humana. Medos, invejas e ansiedades nos livraram de inimigos, ataques, mortes… Agora, num mundo sem mamutes, nos restou jogar a tinta das sensações ruins para acontecimentos às vezes banais. Males de um cérebro ancestral. Isso explica, por exemplo, porque UM comentário raivoso marca a nossa mente que nem chiclete enquanto os DEZ elogios saem voando da cabeça num passe de mágica.
Para fugir disso, é preciso um trabalho de, conscientemente, nos lembrar das coisas boas. Daí surgiram as recomendações dos diários de gratidão - hoje uma piada na internet, eu sei, mas que de fato foram megaestudados e se mostraram eficientes para aumentar o nível de satisfação com a vida. Mas isso é outro papo.
Acho que deu para entender a nossa tendência identificar os “divertidamente” de valência negativa. A insegurança sobre o corpo que até a primeira crítica sobre suas rugas, convenhamos, você mal tinha. O medo de morrer que nunca tinha passado pela cabeça até descobrir que está com uma doença crônica. O novíssimo pânico de falar em público (mesmo tendo sido uma pessoa extrovertida desde sempre), que surgiu depois de anos de bullying no trabalho.
Mas e as emoções positivas, saltitantes ou serenas, que apareceram com a maturidade? São bonitas, elas.
Vou dar um exemplo.
Tem um “divertidamente” que eu tenho desde que me lembro, mas chegou miúdo - embora eu achasse enorme, porque é do tipo pavão, que fala alto, gesticula, muda o corte de cabelo toda hora... Como sempre esteve por ali, falastrão e cumprindo seu papel, nunca achei que poderia ir embora nem mudar.
Mas não é que os “divertidamente” podem se transformar com o tempo? Pelo menos os meus, sim, me diga depois dos seus.
“Minha nova emoção, o 'foda-se’, é puro suco de eu me conheço, me banco e vou me poupar se eu precisar.”
Esse sumiu. Aí mudou e cresceu. Achei que tinha desistido de mim um tempo atrás, mas fiquei sabendo que estava numa espécie de spa das emoções, recauchutando tudo. Eis que volta com maquiagem, acessórios, estampa, mas descalça, uma bata extravagante, bagunçando os cabelos com as mãos e, em vez de falar tanto como antes, agora só quando dá na telha. Quero dizer, continua com seu humor afiado, mas só mostra quando quer, cheio de não me toques. Na verdade, é puro sabe-o-que-quer; e o-que-não-quer. Essa emoção, minha nova velha conhecida, é o “foda-se”.
E essa sua nova versão é de valência puramente positiva. Puro suco de eu me conheço, me banco e vou me poupar se eu precisar.
Não sei se o seu “foda-se” apareceu aí, antes ou agora, mas de qualquer forma recomendo sua passagem pelo spa emocional, viu? De lá, esse “divertidamente” voltou melhor, mais maduro.
Não que ele se importe com o que eu digo dele, claro.
Eu e o que escrevo
Textos, indicações e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista graduada pela Unesp, fissurada em ler e escrever desde pequeninha. Trabalho hoje com branding pessoal e posicionamento digital, sempre atrelando a comunicação a novos moldes de carreira e felicidade feminina. Na prática, além de produzir conteúdo, dou palestras, treinamentos e cursos para empresas.
Tenho pós-graduação em Mkt Político na USP e faço em Psicologia na era digital na PUC. Cursei temas variados, como Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Tenho 20 anos de jornalismo, passei por grandes veículos de imprensa até começar a ensinar e mentorar profissionais. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada.
Para dividir com mais gente a minha escrita e as minhas ideias de forma livre e um pouco mais literária, publico este Descarrego semanal, que traz reflexões e desabafos sobre questões contemporâneas que me afligem ou acolhem.
Nas redes sociais, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
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