Passar dos 40 muda você.
Ou o mundo obrigada você a se ver de um jeito diferente?
Algo muda.
Não só pelo marco de idade, que é, sim, importante porque todo marco tem um efeito psicológico que demarca mudança, transformação, nova fase.
Mas algo muda pela forma como você se sente ao se relacionar com o mundo. Ao dizer sua idade, pela maneira como é visto, tratado, acolhido (ou não) pelo mercado de trabalho, pela sensação de estar "por fora" com tanta mudança tecnológica e, vamos assumir, muitas vezes pela saturação mental que elas provocam e a vontade de fugir.
Também por razões biológicas: o corpo dá novos sinais, traduzidos em insônia, calor, ganho de peso e índices inéditos nos exames de sangue.
Tem a idade, prática e sentida e individual.
E tem o etarismo.
O etarismo
O etarismo é o avesso do que se vivia antigamente, quando os mais velhos eram associados a valores de então, como sabedoria e uma visão ampla de mundo.
O mundo... ele mudou, tudo se inverteu: o valor está numa juventude cada vez mais jovem, hoje superconectada e volátil em gostos e desejos, ainda mal lida por nós, quarentões ou setentões, que os vemos com um misto de ressentimento, desprezo, curiosidade, admiração e outras combinações contraditórias.
Já supomos como somos vistos: obsoletos como aquelas televisões que nos diziam ser jogadas em contêineres de lixo no Japão nos anos 90 - se você tem essa referência provavelmente somos da mesma época...
Mas há uma época? Nossa época não é agora também?
Há estudos em curso investigando isso. Afinal, se estamos aqui, temos o direito de nos sentir inseridos no agora.
Mas não tem sido assim em vários países do mundo, incluindo o nosso Brasil e os Estados Unidos, onde o etarismo é tão forte quanto a visão capitalista que semeou.
Pessoas tratadas como produtos, descartáveis quando quebradas, inúteis quando não produzem tanto, substituíveis por mais jovens, ágeis, baratos e menos críticos.
É assim que vamos perdendo o direito de ter o nosso tempo no aqui-agora e a nossa experiência valorizada. É assim que vamos nos sentindo um computador travando ao plugar a internet de escada, cercado de pessoas ao redor irritadas com a demora e os sons que fazemos. É assim que acreditamos que o etarismo tem razão de ser porque o mundo é da inteligência artificial, e esse mundo não nos pertence. É assim que vamos para uma corrida de frustração ao tentar rejuvenescer e ainda assim constatar, lá no fundo, a nossa idade e o que a sociedade nos reserva.
Ostracismo.
A maré
Eu me recuso. E me recuso a deixar você se achar inadequado por causa da idade. Toda idade é válida, é atual e tem contribuição a dar, só é preciso se fortalecer para remar contra a maré. Maré forte.
A aparência e o viés
Hoje fui toda interessada ler um novo estudo da Universidade de Michigan sobre a suposta eficácia contra o etarismo entre pessoas que submetem ou não a procedimentos de "rejuvenescimento" e pró-aparência. Li, reli e fiquei frustrada, com a sensação de "eu já sabia". Basicamente o que muda é como a pessoa se sente sobre ela mesma, sobre a saúde e sobre sua aceitação social.
Não há comprovação alguma de que algo mude na prática - se por prática entendermos o mundo lá fora, a sociedade, as escolhas dos recrutadores, a forma como pessoas mais velhas são tratadas.
Muda a visão sobre si mesmo graças ao viés positivo - aquele tão estudado pelo polêmico pai da Psicologia Positiva, Martin Seligman.
Não acho pouco, não. Se os cuidados com a aparência e a saúde indiretamente afetam a nossa experiência, vamos em frente! Mas não é que preencher rugas e pintar os cabelos brancos vai, de fato, apagar o etarismo da vida de alguém. É a pessoa que tende a se sentir menos afetada.
Aproveito para lembrar que há estudos sobre a cognição indumentária e outros vieses que nos contam sobre como o que vestimos e nos vemos no espelho afeta diretamente a confiança, a sensação de bem-estar etc. Então, quem duvida que cuidar da aparência ajuda pessoas de 40, 50, 60, 70 mais a ter uma experiência de vida mais positiva? Tragam séruns, cremes, programas de alimentação, preenchimentos! Só não venham empacotados de promessas de mudança estrutural: eles são mais a gente reconhecendo a sociedade em que vivemos e buscando (auto)aceitação de fora para dentro e de fora para fora.
Justíssimo.
O eu e o nós
Ainda mais justo é que falemos abertamente sobre etarismo e não sejamos seus agentes. Cuidemos do que comentamos e por que comentamos sobre os outros.
Cada um lida com seu processo de envelhecimento como desejar - e Michigan sugere que vamos sentir mais confiança se cuidarmos da aparência, o que não necessariamente significa procedimentos estéticos, mas cuidados com a saúde. Cada um sabe de si, ou deveria. Mas é bom sabermos ao que todos nós estamos submetidos, mesmo antes de o etarismo bater à porta numa entrevista de emprego ou na boca de alguém nos subestimando.
Jogar luz sobre o preconceito de idade é nos dar o direito de ser felizes em qualquer fase, com toda aparência e nível de conhecimento.
Sabemos como fazer a nossa parte como indivíduos.
Vamos fazer também como sociedade?
Falar disso, penso eu, é um começo.
Eu aqui... Tenho 41 anos, um corpo e uma mente compatíveis com a minha idade, exames em dia e uma sede de me aprender constante. Eu me formei em jornalismo em 2004 e trabalhei numa coisa chamada jornal e em outra chamada revista, tudo de papel. Não gosto das músicas que viralizam no TikTok nem de jogos nem de TV ligada. Curto Blues e Chico e Pagode dos anos 90 (jovens, pesquisem). Amo cerveja, vinho, livro. Leio os virtuais numa boa. Vejo rede social sem som. Não quis ter filho. Quis ter gatos. Já me casei duas vezes, nenhuma delas no papel. Pinto os cabelos, mas tive raspado e grisalho antes. Ah, hoje eu trabalho com branding pessoal e posicionamento nisso que eu vi nascer, a Internet e as mídias sociais.
Isso tudo me classifica? Sim, mas apenas como eu mesma.
É esse o eu em construção. Somos um caminho em qualquer idade, alguns apenas com uma estrada maior que os outros.
Senhoras e senhores, há lugar para nós no físico, no digital e no que vier. O caminho é aqui, agora.
Eu e o que escrevo
Textos, indicações e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, fissurada por ler e escrever desde pequeninha. Trabalho hoje com branding pessoal e posicionamento digital com foco na carreira, além de dar palestras, treinamentos e cursos para empresas.
Tenho pós-graduação em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por 17 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Ensino isso prática em palestras, treinamentos em empresas, colaborações e cursos.
Pra dividir com mais gente a minha escrita e as minhas ideias, faço esse Descarrego semanal, que traz reflexões e desabafos sobre questões contemporâneas que nos afligem ou acolhem.
No insta, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
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Amei!!! Obrigada Bru Fioreti!!! Texto necessário!!! Obrigada!!