Primeiro a gente aprende a conviver com a gente mesma. Depois, com os outros.
Andei pensando que deveria ser assim, facilitaria muita coisa, mas nossa trajetória costuma ser o completo oposto.
Passamos infância, adolescência e no mínimo início da vida adulta convivendo intensamente com outras pessoas, submetidos aos seus gostos, desgostos, manias, vieses, crises, ideias, desatinos, faltas e sobras para então, quem sabe, se tudo for muito bem, podermos desfrutar alguma solitude.
Ou ao menos falar com os nossos botões sem ter alguém batendo na porta, abrindo a janela ou encarando a nossa cara de poucos amigos sem ser convidado.
Ou ir para a terapia.
Ou experimentar coisas transcendentais que os mais próximos não aprovariam.
Ou nos perder em erros.
Ou quaisquer coisas que nos façam descobrir quem somos por nós mesmos, dentro do que é possível “ser” por si mesmo...
A trilha de se autodescobrir
Falo do sagrado momento em que nos debruçamos sobre os nossos gostos e tentamos desvendar quem somos por debaixo da capa, da máscara e dos sapatos usados para pisar em ovos ou na areia movediça da opinião alheia.
Parece um alívio, algo como largar o salto agulha no fim da noite ou tirar o sutiã apertado, mas pode ser uma hora de dor e vergonha. Ei, o rei está nu!
Com tanto ruído ao redor ano após ano, quando ouvimos o som do nosso silêncio e encaramos o espelho quantas vezes somos incapazes de decifrar as vozes da cabeça e reconhecer o reflexo!
Rejeitamos a nós mesmo porque nos estranhamos longe das costumeiras lentes alheias.
A fase de se olhar para fora desse (des)conforto, mais cedo ou mais tarde dependendo de cada um, é longa, acho mesmo que nunca termina.
Você imagina uma estrada com a cachoeira lá no final e descobre dezenas de bifurcações, barro escorregadio e um cenário inconstante no final, por vezes paradisíaco, por vezes absolutamente aterrorizante.
Essa aventura vai se tornando desafiadora, o tipo de trilha que instiga mesmo quando os obstáculos amedrontam.
Seguimos, quase todos nós seguimos caminhando, pois já o fazíamos acompanhados. Seguimos caminhando, porque é isso que fazemos como seres vivos também quando nos descobrimos sós.
Seguimos caminhando porque é no movimento que nos encontramos, já que somos, nós mesmos, movimento.
Não tem oásis no final, mas um oceano que está nós, nós estamos nele e deslizamos em suas ondas.
Ao menos em minha autodescoberta vejo assim: o equilíbrio desse pequeno ecossistema chamado eu está no vagar incessante das águas, na escuridão fria da noite e na espuma fugidia das manhãs, na constante movimentação da vida que mora ali. Em mim.
Maturidade, de mansinho
Volto a lembrar a ideia de como seria a gente aprender a conviver consigo mesma primeiro.
Essa ideia veio de leituras e reflexões que não vêm ao caso agora, mas que remetem ao recomeço crucial que passamos em certa idade.
Uma fase na qual avançamos na autodescoberta, sabemos muito sobre nós e temos, inclusive, a consciência do que talvez nunca decifremos.
Já nos permitimos escolhas com tonalidades individuais, quiçá individualistas, e, enfim, estamos prontos para estabelecer limites. Gosto disso, daquilo não. Isso aceito, aquilo nem pensar. Ficar só é perigosamente viciante, embora as companhias sejam bem escolhidas e, portanto, quase sempre agradáveis.
Eis que a maturidade começa a frequentar essas bandas.
É sutil, porque ela também faz parte do oceano e não tem nada de previsível ou definitiva. Para mim, ela é de um azul esverdeado calmo, tem um sorriso sereno, aquele de quem não teme mudar de opinião, ser contrariada nem errar.
Sem as ondas rebeldes de antes, essa onda boa de surfar não chegaria.
A maturidade, pelo menos essa incipiente dos 40, é também uma onda, no entanto, me parece uma onda gentil.
Chega de mansinho, nos lembrando do que realmente importa, de nos perdoar pelos erros passados, de reconsiderar ideias, de aceitar carinho, de redimensionar o afeto.
Essa onda, nossa, ela conhece a gente melhor que a gente mesmo!
A “velha” e o seu mar
Do lado de cá, sigo com meu barquinho valente, embora meio frágil para as ondas revoltas do meu mar, esperando que a onda classuda da maturidade dê as caras e assopre os ventos que fazem a vela inflar na medida certa.
Dá licença, meu barco é, sim, romanticamente levado à vela. Sou marinheira de muitas viagens, a velha e o mar, para parafrasear o clássico do Hemingway.
Maruja experiente também, às vezes, se queima no sol, tem medo de alguns trovões e se dá mal oferecendo caronas para piratas.
A vantagem é que, quando miro ali no espelho das águas, reconheço tudo o que vejo. Deve ser a influência daquela onda serena, sabe?
Sei conviver comigo mesma - acredite, é uma arte rs.
Com os outros a partir de agora, são novas remadas, outras marés. Eu, sei bem, continuarei a navegar no meu inexorável, intempestivo e ainda assim reconhecível mar.
Eu e o que escrevo
Textos, indicações e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, fissurada por ler e escrever desde pequeninha. Trabalho hoje com branding pessoal e transição de carreira, em palestras, cursos e na comunidade/escola Desencaixa Clube, voltada para quem curte conexões reais, ampliação de repertório e aprendizagem contínua.
Tenho pós-graduação em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por 17 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Ensino isso prática em palestras, treinamentos em empresas, colaborações e cursos.
Pra dividir com mais gente a minha escrita e as minhas ideias, faço esse Descarrego semanal, que traz reflexões e desabafos sobre questões contemporâneas que nos afligem ou acolhem.
No insta, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
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