Só de ler esse título, a música da Rita Lee já gritou aí, né? Agora só falta você vir aqui e pensar comigo sobre esses arroubos que acontecem com a gente umas vezes na vida.
Os arroubos são arroubos mesmo? Ou um lixo tóxico acumulado por tempo suficiente para implodir ou explodir? Podem ser intensos, porém pensados, maquinados? Eu creio que sim: alguns arroubos podem ser irracionais e racionais na mesma proporção.
No texto de hoje, trago uma história que já vi bastante e vivi também. Mudam os nomes e os detalhes, mas o "core" está ali: ficamos insatisfeitas porque queremos algo novo. Porque vemos uma nova perspectiva e muitas vezes levamos tempo demais para chutar a porta.
Ah, lembra que tem a versão áudio especial pra você logo depois do escrito, tá?
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Descarrego #5 | Murchar para florescer
Dois cafés e umas lorotas na TV depois, estava pronta para fingir o dia inteiro.
O ofício consistia em rir amarelo, disfarçar o rubor raivoso forjando uma coceira qualquer, ficar verde de inveja sem esboçar reação. Descolorir-se era o trabalho.
Não constava no job description, certamente, mas era esse o trabalho.
Bater ponto das 9h às 19h - a quem queremos enganar com 9h às 17h? - com pausas para xícaras de qualquer coisa quente, rápidas escapadas virtuais e uns raros saltos de criatividade interrompidos por burocracias.
A versão feminina de Chaplin apertando os parafusos freneticamente na esteira de "Tempos Modernos". Tão caricata quanto, desdenhava de si mesma. Só que os parafusos que tentava apertar eram os da própria cabeça, que andavam soltos, cada dia mais frouxos.
Os parafusos que tentava apertar eram os da própria cabeça, que andavam soltos, cada dia mais frouxos
Que tempos modernos eram esses, em que a jornada de um trabalho pensante se tornava tão independente de sinapses quanto a fábrica do clássico do cinema?!
Quanto mais améns, mais tranquilidade tinha no dia a dia. Assim entrava e saía incólume: sua meta.
Ai dela se propusesse uma novidade, um jeito novo! O tiro saía pela culatra.
Seja proativa, eles dizem.
E quando você é, logo retrucam: não tanto.
Nada nunca dito, claro, apenas sorrateiramente engavetando as ideias incômodas. Ou endereçando-as sem cerimônia a novos donos, gente mais graúda e capaz de tocar o projeto - você há de entender, ordens de cima.
Jogam um biscoito no canto, você mastiga até derreter e depois rói o osso enquanto tem dentes. E estômago.
Mais um xícara. De café forte para amargar mais.
Agora um chá para rebater e se sentir suave.
Já passam das 19h30, desce uma cerveja que se entorpecer é preciso!
Desce bem gelada pra doer a goela e esfriar os ânimos.
No bar, todos maldizem animadamente a chefia e reclamam dos que não estão presentes. A animação atinge seu pico às 22h45 e então despenca. Um a um, todos vão se encaminhando para casa carregando as suas mochilas tristes e a convicção de que amanhã o despertador não falha.
Manhã seguinte.
Dois cafés e nenhuma lorota na TV tirava a ideia da cabeça: chega de fingir o dia inteiro!
Na noite anterior, lá pelas tantas com os gatos pingados inimigos do fim, gritava e batia na mesa com ênfase contando aos colegas que não ia mais ceder. Já tinha uns seis anos dessa merda! Ia falar que a empresa era medíocre, que o chefe era misógino e que o sistema era corrupto.
Ia imitar uma personagem recente que apareceu na televisão e defecar nos quadros da diretoria. Isso não. Ou sim, mas só metaforicamente.
Ia imitar uma personagem recente que apareceu na televisão e defecar nos quadros da diretoria. Isso não. Ou sim, mas só metaforicamente.
E se fizesse essa loucura toda ia viver de que depois, perguntavam os colegas, divertidos.
Ela não sabia ainda. Tinha uns palpites, umas economias, mas...
Acontece que a incerteza do futuro, a única coisa certa na vida, já tinha atrasado decisões demais na sua vida até então.
Se ela não chutasse aquilo, vinha a vida e chutava ela!
Passou por isso num relacionamento. Não, em dois. Esperou, tentou, aguentou e deu no que deu, né? No emprego anterior, só foi promovida porque só restavam ela e o vaso de planta do canto, depois de tanta demissão. Venceu por W.O.
Se ela não chutasse aquilo, vinha a vida e chutava ela
Dessa vez, a planta ganharia o aumento, ah, ganharia! Os putos dessa empresa não gostam de ideias, só de execução, número. E ela queria pensar, criar e ser reconhecida por isso.
Tinha murchado tanto nos últimos anos que, entre a planta e ela, hoje, já não tinha a menor dúvida de qual tinha a grama mais verde.
Era uma explosão que vinha aí, mas não impensada. Um ataque premeditado, em ebulição ali dentro há muito tempo, entre cafezinhos, chás, chopes, silêncios e dias acizentados.
Vinha aí e vinha com força a prova de que tinha um cérebro dentro daquele coco, pronto para ser utilizado!
Talvez por isso, apesar da ressaca, se sentia especialmente lúcida naquela manhã.
Maquinou por uma hora. Reflexão suficiente para chegar atrasada e encorajada.
Hoje era dia de gala, e ela trajava seu melhor olhar de louca.
Hoje era dia de gala, e ela trajava seu melhor olhar de louca
Bateu na porta da chefia e num fôlego só vomitou o descontentamento. Foi demitida na hora com um sorriso cínico. Devolveu um dedo do meio caprichado com lágrimas teimosas escorrendo os olhos - agora, malditas?
Pisou forte, rosnou no RH, atravessou a porta pela última vez e passou trotando pela calçada.
Sentiu o coração acelerado. Suspirou quantas vezes precisou.
Já na primeira quadra, começou a chover uma chuva de gotas graúdas, daquelas que doem nos ombros. Que cinematográfico!
Imaginou o corte e a trilha perfeitos para aquele quadro, cantarolando mentalmente "... me libertei daquela vida vulgar...", da Rita Lee. "De ser quem eu sou, de estar onde estou...". Não faltava ninguém.
Caminhava sem máscaras, com a rescisão no bolso e nenhuma certeza nas mãos. Sem lenço e sem documento. Por que não?
Aos poucos, os passos foram ficando mais largos e leves. Caminhava sem máscaras, com a rescisão no bolso e nenhuma certeza nas mãos. Sem lenço e sem documento. Por que não?
A chuva virou garoa.
A garoa virou sol.
O sol virou lua.
Ela virou.
Molhou, secou e floresceu. Porque sim.
Photo by Bruno Gomiero on Unsplash
Quer ouvir esse texto?
Clica a seguir para ouvir a versão desse texto narrada por mim…
Florescendo no Repertório
UM CURSO
Se é pra desabrochar, que a gente o faça em todas as expressões! A minha news nasceu justamente para praticar a minha queridinha na comunicação, a escrita. Texto é o seu babado também? Então ó: no mês de março, as parceiras que adoro da Marisco Edições, Bel e Gabi, colocam no mundo sua série de encontros virtuais batizada de Sons da Escrita, nas quais abordam temas que incluem e transcendem a feitura de uma obra. Experts em autopublicação que são, trazem reflexões e dicas preciosas para quem tem vontade de liberar seus textos no mundo. Vamos? 🙂 Acessa esse link AQUI Ó para se inscrever e usa o cupom BRUFIORETI30 para ter 30 reais de desconto.
Em tempo: aproveito para indicar a newsletter das meninas, com o mesmo nome do projeto, Sons da Escrita, inscreva-se aqui. Uma gostosura.
UMA SÉRIE
A série "Nove Desconhecidos", disponível no Prime Vídeo, não é exatamente nova, mas é a que me veio à mente na hora quando pensei em ruptura e entrega ao florescimento. Ainda que haja ali uma porção de críticas pertinentes a gurus e seus métodos pouco ortodoxos de cura, há também a atualíssima reflexão sobre alucinógenos e a força de se retirar dos ambientes tóxicos para se permitir repensar e mudar, profundamente. Depois da chuva pode vir o arco-íris, e a série tem um jeito peculiar de nos fazer pensar nisso.
UM LIVRO
Se curte uma autoajuda e procura uma está bombando, tente o conjunto de aforismos "101 Reflexões Que Vão Mudar Sua Forma De Pensar", da autora Brianna Wiest. Ela divide os pensamentos em temas e propõe uma estrutura bacana para ser usada como uma espécie de oráculo, até porque sua escrita é bela. Eu, particularmente, não tive vontade de ler a sequência, como um livro comum, mas isso vai de cada pessoa. A visão é otimista, mas não boboca, tem base em experiências e estudos. Impele, de fato, a pensar as nossas atitudes.
UM FILME
Como a existência de um propósito claro e forte pode mudar uma vida embotada por forças maiores e torná-la vibrante e relevante? São infinitas as respostas, mas o percurso narrativo tem similaridades: descoberta, vontade de ser útil, força tirada da família ou dos amigos. "Argentina, 1985", longa disponível no Prime Video e estrelado por Ricardo Darín, tem tudo isso e mais. Traz o preocupantemente atual tema de vítimas de ditadura e um "nunca mais" na hora-chave para arrepiar e arrancar uma lágrima doída também de nós, brasileiros. Já levou o Globo de Ouro e deve levar mais prêmios na temporada.
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Reticências
“Desconforto é o que sentimos quando estamos à beira da mudança (…) Se o que está vivenciando é insegurança ou incerteza, é bem provável que isso o levará a algo melhor” Brianna Wiest
"Podes cortar todas as flores mas não podes impedir a Primavera de aparecer” Pablo Neruda
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Eu e o que escrevo
Textos, indicações de repertório e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, especialista em branding pessoal e carreira multipotencial, tenho pós em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai. Trabalhei em grandes veículos de imprensa por mais de 17 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Ensino isso na prática no projeto Desencaixa, uma escola que mescla formatos e disciplinas com um TMJ constante! Pra dividir com mais gente a minha escrita e os meus desencaixes, faço esse Descarrego semanal! E no insta, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
Essa newsletter sai toda terça com um mix de texto lúdico e curadoria de repertório pra gente se soltar nas ideias e refs. Se não assina ainda, tá aqui seu link:
Que coisa maravilhosa poder te ler e reler! Molhou, secou e floresceu, porque SIM! Ah que coisa boa poder dizer sim e não e ponto. A vida esse eterno ciclo de florescimento. Lindo lindo lindo! Um viva ao Descarrego! Um viva a você, Bru!