Oie, hoje vou direto ao ponto, porque o texto é quente e talvez contraditoriamente menos solar do que deveria… Vc me diz.
Beijos, Bru
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Descarrego #38 | Quarenta graus de febre
Eu queria reclamar do calor.
Dizer que São Paulo quarenta graus todo dia não é para amadores.
Lembrar que até anteontem tinha gente negando o aquecimento global - ainda tem, confere? Dissertar divertidamente sobre um mal pouco alardeado, a alergia ao próprio suor, e, quem sabe, redigir um manifesto sobre o direito inalienável de todo mundo ter piscina e ar-condicionado, além de comida, teto, rede de água e esgoto, educação, segurança para ir e vir e outras cláusulas já presentes na Constituição.
Queria, mas.
Mas aí vi que a Ana Hickmann, um colosso de mulher e profissional, prestou queixa por violência doméstica.
Li sobre o recrudescimento da questão palestina e suas múltiplas e terríveis facetas.
Espiei a matéria da “Time”, cuja capa é o Zelensky falando da Ucrânia ainda em guerra com a Rússia.
Fui atrás de saber o papel do gás na Europa envolvido nessas guerras todas.
Assisti ao sensível e profundo filme novo do Paul Preciado, “Orlando, Uma Biografia Política”, que parte da obra da Virginia Woolf para tratar das vidas trans e seus impedimentos identitários.
Fiquei muito sóbria durante o fim de semana, tentei desenhar com crianças, fazer piada sobre os meus gatos e planejar a semana com mais cursos e eventos presenciais do que o habitual.
Eu queria reclamar de como o mundo está difícil também, mas.
Mas eu me peguei parada olhando para o teto e tentando juntar esses cacos todos: o que esse infernão especialmente quente nesse verão está tentando dizer?
Talvez não aja uma mensagem. Ou ela seja a mesma de sempre, só que escrita em letras de magma, garrafais: PAREM DE SE AGREDIR, DE SE MATAR, DE NOS MATAR. PROTEJAM-SE.
Por que a gente não escuta? Ou escuta sem absorver?
Creio que nos distraímos para sobreviver, nos alienando com fragmentos de açúcar, gordura e entorpecentes reais ou imaginários, como fofocas, memes, conselhos vazios, gurus, planos de autocuidado e sonhos de viagens que nunca faremos.
O recado, no entanto, está sendo sendo dado.
Eu queria, já disse, reclamar do calor.
Mas ele me parece nada mais que a materialização incômoda de uma série de falhas humanas que precisam ser corrigidas no mundo e também aqui, aí, dentro de casa e da cabeça.
Enquanto alguns não forem livres, nós somos?
Mulheres, não brancos, trans, povos sem pátria, miseráveis, vítimas de terrorismo e toda sorte de excluídos… enquanto eles não forem livres, nós somos?
Está esquentando, fervendo, porque não, não somos.
O mundo é um só e está febril.
A violência contra a Ana Hickmann é a velha conhecida opressão contra todas as mulheres, um símbolo do que acontece silenciosamente em tantas casas todos os dias.
As pessoas mortas do outro lado do mundo vivem a desumanização que atinge a todos nós, embora não sempre de forma escancarada.
A negação de documentação e dignidade a uma pessoa não binária é a negação do direito de existir socialmente de cada um.
Somos mais iguais que diferentes, já postulou Maya Angelou.
Inclusive, somos habitantes da mesma Terra onde ficavam as árvores que cortamos, está o lixo que descartamos e costumavam morar livremente os animais que extinguimos.
Será que essa onda de calor que não tem cara de que vai passar está tentando pela enésima vez nos contar essas verdades inconvenientes?
Não adianta ignorar, fingir que não é com a gente.
Não tem porta fechada e ar-condicionado para nos proteger pra sempre do que borbulha mundo fora.
Por isso, quando ficar tentada a reclamar do calor, vou me calar e introjetar o recado.
Meu suor e minhas lágrimas são meus e de todos.
O solipsismo capitalista tem falhado miseravelmente em nos fazer prosperar e ser felizes, estamos descobrindo que a promessa era falsa: esse modo de vida está nos deixando desequilibrados, a nós individualmente e ao coletivo.
Estamos explodindo no micro e no macro.
Emprestando a alegoria feliz do filme do Preciado (ainda em cartaz, recomendo), percebo que, se nos despirmos das máscaras tolas que o patriarcado, o capitalismo e outras invenções humanas nos impuseram, somos todos Orlando, de Virginia Woolf. Somos metamorfose; estamos metaformose.
E isso incomoda mesmo. Incomoda como os 30 e muitos graus desta semana.
Eu e o que escrevo
Textos, indicações de repertório e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, fissurada por ler e escrever desde pequeninha. Trabalho hoje com branding pessoal e transição de carreira, em palestras, cursos e na comunidade/escola Desencaixa Clube, voltada para quem curte conexões reais, ampliação de repertório e aprendizagem contínua.
Tenho pós-graduação em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por quase 20 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Ensino isso prática em palestras, treinamentos em empresas, colaborações e cursos.
Pra dividir com mais gente a minha escrita e as minhas ideias, faço esse Descarrego semanal, que traz reflexões e desabafos sobre questões contemporâneas que nos afligem ou acolhem.
No insta, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
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