Ei! Antes do texto do dia, queria te contar umas coisas. Posso?
Andei recalculando pesos e medidas nas últimas semanas. Desde que saí da vida da rotina da redação, de 2017 pra cá, passei por N transformações pessoais e profissionais, mudei de rota um tantão de vezes. Mas este tem sido, em especial, um ano de retomada pra mim, muito porque finalmente criei a comunidade que tanto queria, o Desencaixa Clube, mas também porque consegui, com uma pequena falha ali, outra acolá, manter esta newsletter.
Ela é importante pra mim porque coloca na frente a escrita, a minha paixão maior, e me permite compartilhar ideias que eu não expressaria tão bem em outro formato.
Tudo isso pra te dizer que aqui, na trigésima quarta edição, finalmente entendi que o propósito da Descarrego tem a ver com escrever o que não cabe mais na minha cabeça - as ideias, as reflexões e os desabafos sobre a vida contemporânea que me impactam e você que me lê e acompanha, que mexem com o nosso bem-estar, com a nossa visão de mundo, energizam ou provocam desesperança.
Entendi que a Descarrego é a minha carta íntima para todo mundo que precisa transbordar o que vê e sente nesse planeta cheio de paradoxos, velocidade, falsas premissas e tantas promessas.
Não diria que é uma revisão completa da newsletter, mas um recálculo de rota baseado nos demais “produtos” que eu tenho e quero oferecer.
Sempre achei que faltava uma escrita mais lúdica no meu “pacote de comunicação”, e aqui continuará a ser o lugar para isso.
Porém, agora apenas com mais ganchos atuais e/ou questões que observo na minha esfera profissional (redes sociais, trabalho, saúde mental e suas associações com a nossa vida de cada dia).
Por quê?
Porque minha profissão de jornalista, que andou meio oculta nos últimos anos, está sempre aqui em segundo plano me pedindo para (re)pensar o mundo no aqui-agora de uma perspectiva mais intimista, autêntica e corajosa.
Porque as reflexões que quero fazer às vezes não cabem no formato de rede social. Lá, a nossa atenção já está no modo alta velocidade e baixa atenção. E não quero diminuir meus períodos, matar meus apostos, cortar as maneirices de textos, sob pena de perder um estilo de escrita que, embora imperfeito e superpassível de crítica, é MEU, fui construindo em décadas e representa o meu modo de sentir, pensar e expressar.
Porque, enfim, quero me conectar mais profundamente com quem se dispõe a me ler, ouvir, participar dos meus cursos, da minha comunidade… Quero me conectar com você no que faz diferença na sua vida. Não falo de ser prático (para isso tenho os minicursos do Desencaixa e outras entregas que virão). Falo de ser relevante.
E, pra mim, a relevância desta carta que batizei de DESCARREGO em janeiro deste ano é, mais do que nunca, provocar uma pausa, um alívio ou uma reflexão em cada palavra. É liberar o que tenho aqui dentro para te ajudar a fazer o mesmo e seguir em frente com olhar crítico mas, se possível, coração leve.
Nesse processo que descrevi, decidi que convém voltar à frequência semanal, para poder deixar as ideias um pouco mais quentes (embora não fervendo, como costumo dizer), manter o fluxo de escrita mais forte e apertar nossos laços gentilmente.
Obrigada por ser assinante da Descarrego e por dar atenção ao que tenho a dizer.
Sua presença aqui e a sua recomendação tornam possível que eu também faça essa pausa para escrever. É no ato generoso do boca a boca que uma marca se fortalece e que sonhos, como esse meu de dar vazão à escrita mais amiúde, se tornam realidade.
Falei bastante: precisava descarregar esse pensamento para você entender o que vem a seguir - e me contar se faz sentido, vou adorar saber!
O primeiro texto dessa, digamos, nova fase vai a seguir. Leia, se quiser. Compartilhe, se gostar.
Uma mulher com sua newsletter palavrosa e pacifista, definitivamente, não quer guerra com ninguém.
… Para falar comigo, orçar palestras ou trocar sobre projetos e colaborações especiais só responder este e-mail ou escrever para bruna@brufioreti.com.br
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Descarrego #34 | Não quer guerra com ninguém
Pra variar estamos em guerra.
Como é angustiante a notícia de mais uma se iniciando, ou se reiniciando e acirrando, no caso de Israel e Hamas.
A sensação, só consigo descrever como perder o chão e se sentir em queda livre, como no “lugar profundo” da hipnose do filme “Corra”, lembra? Vendo o mundo desabar, assistindo a si mesmo flutuar enquanto acompanha em uma tela o desastre iminente, paralisado demais para esboçar reação.
Bomba.
Ver as notícias desnorteia assim. Não ver beira o impossível.
Entre uma aflição e outra, tocamos a vida ocupados pelos afazeres de cada dia, nos sentindo pequenos para mudar o curso da História.
Com o tempo, as mesmas reportagens estarrecedoras sobre os horrores da guerra vão sendo absorvidas de modo diferente. Já notou?
Quando um novo conflito estoura, a indignação é pungente, real. As teorias do jornalismo nos contam por quê: o chamado “valor notícia”, o fato de o acontecimento ser quente, importante para a humanidade, negativo, grandioso, chocante - esse combo que compõe as notícias mais vistas - chama a nossa atenção.
Para tudo!
Vem a necessidade de nos informar, lamentar publicamente, expressar o pesar ou a preocupação nas conversas, debater o tema, encarar a realidade, permitir a dor e colocar o assunto na “ordem do dia”.
Em suma, o ataque vai para a ordem do dia por ter um valor notícia gigantesco e ali fica enquanto o valor da informação o mantiver no topo do interesse geral e de importância para o globo.
Passada a fase de choque, vira quase mais uma notícia. Vemos menos embasbacados, mais conformados. Fechamos paulatinamente os sentidos e com eles os sentimentos para o que é mostrado.
A isso se acresça o efeito de uma vida à base de filmes violentos e imagens de guerra de Hollywood.
Pronto, as mortes, os bombardeios, as cidades arrasadas entram num circuito que tangencia o banal. Triste mas… próxima, vida que segue.
Claro que o ciclo noticioso acima é uma simplificação. Porém meu ponto hoje é bem este: salientar as simplificações.
Procura-se respiro
Que uma guerra afeta populações inteiras e impacta a todos nós mais cedo ou mais tarde, sabemos. Mas não aguentamos nos embrenhar nela por muito tempo, a roda precisa girar e a gente, se entorpecer o suficiente para que ela faça algum sentido.
Seria quase insuportável nos informarmos em profundidade todos os dias e termos a apregoada “vida feliz”, que os digam os jornalistas. Saber de tudo e ir, inerte, trabalhando em alto nível de produtividade, buscando propósito, cuidando da saúde, criando filhos, pagando boletos…?
Difícil.
Quem faz a notícia, quem a lê e quem dá o estopim a ela, as três camadas sabem bem que o peso da realidade beira o insuportável e levam essa constatação em conta mais ou menos conscientemente.
Precisamos de alienação e algum egoísmo para servir às demandas do sistema de produção, como bons soldados empunhando bens consumo, ambições materiais e sonhos individuais.
Por mais engajado que queira ser… diga como suportar os (nem um pouco) “pequenos fogos por todas as partes” devastando, matando, acirrando ânimos, seccionando povos e deixando palpável a possibilidade de uma superguerra estourar a qualquer momento?
Como conviver com tanto medo e cumprir o papel social?
Não aguentamos, precisamos de respiros.
Uma hora, depois que esse choque inicial arrefecer, teremos de desligar o noticiário, fingir que está tudo bem, focar nos problemas vizinhos, que batem à porta, e deixar os de lá longe no modo-espera.
Até que batam à nossa porta de novo, com mais força.
Vieses perigosos
Se de um lado existe a dor que se torna uma mochila pesada, de outro existem os vieses de observação do acontecimento: como muda a nossa relação com a ordem do dia, com o valor notícia e com a comoção, dependendo de quem é o OUTRO noticiado!
Você talvez já tenha ouvido falar do viés de familiaridade, parte do conhecido “efeito de mera exposição”, estudado há décadas. Em resumo, somos mais empáticos com que ou aquele que conhecemos; a familiaridade com um objeto (seja ele pessoa, bem material, assunto) nos deixa mais afeiçoados e confortáveis com ele.
Já captou, né?
Quando os horrores da guerra se dão com um povo distante geograficamente e também em costumes, é como se nos tocasse menos. Quanto mais diferentes as pessoas que vemos sofrer, maior a chance de “desumanizarmos” sua experiência e até - olha isso - minimizarmos sua dor.
A dor do outro é menos minha quando esse outro é menos eu.
Considere ainda o fator “multidão”, também amplo objeto de estudos. Uma coisa é ver uma pessoa com rosto exposto e sangue jorrando assassinada brutalmente; outra, várias “sem rosto”, de longe. Outra, ainda, é se sentir pertencente a um grupo e opinar sobre a dor dos não pertencentes: ah, “eles contra nós”, “nós contra eles”.
Quem ganha? Bom, esse não é o foco hoje.
Quero dizer que o peso relativo que damos aos fatos se entrelaça e se amalgama por meio de inúmeros vieses individuais.
Eu vi com meus próprios olhos o desastre acontecer?
Eu conheço alguém que conhece alguém “lá”?
E talvez o mais assustador, na minha opinião: eu concordo com a visão de mundo dessas pessoas, elas são do “meu lado”?
Se concordo, me compadeço com a causa, humanizo, me dói mais.
Se discordo, removo uns traços humanos, relativizo a igualdade de direitos, as considero um coletivo amorfo, generalizo a experiência, quiçá justifico as ações contra esses seres humanos e, quem sabe, chego a pensar que X mortes são pouco, são necessárias, inconvenientes mas menores, ou quem sabe…
Quem sabe essas vidas tenham menos valor, não é mesmo?
Poucos ousam verbalizar, mas o valor de uma vida vira-e-mexe é relativizado em debates ideológicos, calcule em uma guerra pra valer, com gente de carne e osso, pobre e acuada, sendo assassinada a rodo?!
As vidas humanas não têm o mesmo peso numa guerra. As vidas humanas não têm o mesmo peso nos vieses que correm por debaixo dos panos.
Lamento profundamente escrever isto: mas as vidas humanas não terão o mesmo valor enquanto o valor de uma vida estiver atrelado a poder econômico, viés político, etnia, geopolítica, crenças, manipulações e jogos de tabuleiro de poderosos...
Imagine
O pensamento que há vidas e VIDAS está perigosamente intrincado na sociedade.
Há toda uma máquina, cada vez mais sofisticada, especializada em aprofundar a já conhecida tendência à intolerância, fomentando ódio e guerra com mentiras, repetição de falsos argumentos, uso dos vieses humanos que citei e manipulação grosseira - a guerra, estamos vendo agora, é um desses fatos históricos que anda sendo explicado em poucas e incompletas linhas por aí.
Muitos, muitos mesmo, acreditam e saem repetindo um fla-flu raso.
Não é sua impressão: as opiniões estão acirradas e simplificadas, aparentemente acima de um bem-comum.
É um tal de passar pano para quem interessar, acreditando no que convier, fechando os olhos quando for preciso, no afã de confirmar o seu viés (o tal viés de confirmação: chegar a distorcer o que vê ou lê, criando uma interpretação que favoreça sua crença anterior para terminar com um “viu? eu estava certo”)…
E a guerra explodindo. E vidas se perdendo. E os ânimos se inflamando.
Os vieses não vão embora, nem as diferenças.
Mas hoje… hoje eu quis contar um pouco desse lado da notícia para abrir, quem sabe, mais olhos para uma nova possibilidade, a paz.
Imagine? A paz.
Imagine a vida tendo o mesmo valor para todo mundo. Imagine as conversas acontecendo, os acordos sendo possíveis. Imagine os vieses sendo reconhecidos antes de mais um sair atirando palavras ou balas.
Porque, em tempo difíceis, esse é um poder que não podem nos tirar. Imagine uma humanidade que não quer guerra. Eu quero imaginar.
Quer ouvir esse texto?
O texto acima narrado por mim, pra vc que quer entender as vírgulas, os pontos e as ideias ainda mais do meu jeito <3 Tá aqui, com amor:
Eu e o que escrevo
Textos, indicações de repertório e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, fissurada por ler e escrever desde pequeninha. Trabalho hoje com branding pessoal e transição de carreira, em palestras, cursos e na comunidade/escola Desencaixa Clube, voltada para quem curte conexões reais, ampliação de repertório e aprendizagem contínua.
Tenho pós-graduação em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por quase 20 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Ensino isso prática em palestras, treinamentos em empresas, colaborações e cursos.
Pra dividir com mais gente a minha escrita e as minhas ideias, faço esse Descarrego semanal, que traz reflexões e desabafos sobre questões contemporâneas que nos afligem ou acolhem.
No insta, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
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