Olha, isso aqui não é uma crítica de cinema, embora eu te assegure que o filme “Só Tinha De Ser Com Você” vale sua ida à sala mais próxima.
Sou fascinada pelo Tom e amo tanto a Elis que ouço essa deusa todos os dias. Então claro que o documentário ia me tocar. Mas a obra é bem-feita mesmo. E, além de me emocionar pela música, pelas imagens e pela associação daquele auge profissional com a morte da cantora anos depois, me fez pensar se não estamos desperdiçando os momentos de rebranding com objetivos mesquinhos, ambições miúdas.
A vida é grande, pode ser grande.
Os gênios inspiram no resultado e no processo.
E hoje eu quero falar um pouquinho do que isso me fez pensar. Descarrego, né? Vamos.
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Descarrego #33 | Elis, Tom e você
Primeiro de outubro de 2023. O filme termina, a plateia aplaude entusiasticamente no cinema. Escuta-se restos de choros, ninguém se levanta. Enquanto os créditos passam, começa a tocar a mesma música que abriu o documentário, e todos - todos - permanecem em suas cadeiras. Mais lágrimas servem de arranjo para “Águas de Março”. Os créditos terminam. Mais uma salva de palmas. Saída em solene silêncio.
Está vivo como nunca, ou como sempre, o efeito Elis - no caso, “Elis & Tom”, a dupla e o disco; “Só Tinha De Ser Com Você”, o recente documentário sobre a gravação do dueto de 1974.
O efeito do sublime, daquilo que encanta e paralisa porque emociona de uma forma que tomamos a consciência de não poder controlar.
Elis era pimenta, mesmo quando era doce. Sua presença, não só a vocal, burlava os limites da atenção e enfeitiçava. Burla ainda os limites do tempo, continua a enfeitiçar. Não permite meios-termos: ama-se ou odeia-se.
Bela ilustração do que é uma marca pessoal forte.
Teve um preço. O talento e a autocobrança são fardos pesados demais para carregar por muito tempo, é o que percebemos ao conhecer mais a história dela.
Mas aquela intensidade, e o sofrimento subjacente, renderam à humanidade algumas das mais brilhantes músicas e performances do mundo. O legado está aí, vivo, embasbacando mais uma vez nos cinemas nacionais.
Ao resultado espetacular antecedeu-se um processo que nem todo mundo encararia. Aliás, poucos.
Uma Elis já reconhecida se sentia desmoralizada num país polarizado pela ditadura militar e precisava de um reposicionamento diante do público. Buscava prestígio.
Um Tom consagrado mundialmente pela batida da Bossa Nova estava no exterior e reclamava que sua música já não tinha o mesmo eco naqueles tempos. Queria ser mais ouvido.
Os dois se uniram.
Entre o desejo e o álbum icônico, houve negociação, briga de egos e unhas roídas da dona Elis.
Mas isso você vai ver no filme.
O que você também vai ver no filme, e talvez possa trazer para a sua vida, é que a necessidade mundana de um rebranding, um reposicionamento, pode levar a algo muito maior do que ganhos financeiros. Pode catapultar uma carreira e uma pessoa para o céu, para o reconhecimento que transcende a presença física.
Pode ser o ponto de virada de uma existência.
A crise que leva à decisão de um rebranding, para os cientistas do hábito, é a "ruptura", a "descontinuidade", um terror de vivenciar, mas uma dádiva para ressignificar o que vinha fazendo até então.
Você pode argumentar que não somos Elis nem Tom, não temos o talento inato necessário para cruzar essa fronteiras.
Porém pensar na genialidade deles e de tantos outros somente do ponto de vista do talento, ou da sorte, é diminuir o papel do suor e das lágrimas que acompanham essa categoria de profissionais, geralmente obsessivos, difíceis de lidar, cheios de ousadias incompreendidas no seu tempo.
Veja o documentário. Lá estão todos esses componentes que tiram os gênios de seus pedestais e os colocam aqui na Terra, embora o resultado final pareça ter fluído naturalmente, soe como cântico celestial.
Os "monstros sagrados", termo usado por Tom no filme, também sentem medo, se intimidam diante de quem acham superior, pensam em desistir.
Têm carne, osso, vícios, sentimentos, dúvidas, exaustão.
Mas quando vem a hora da virada, lá estão eles no modo obcecado para fazer mais que bem-feito, se apaixonando pelo ofício, pelo processo, e deixando as picuinhas em segundo plano, numa árdua escolha diária.
Um rebranding, veja você, nunca é um simples rebranding.
Reconfigura as crenças e os desejos, reorganiza a mente, forja foco, fôlego e serve de pontapé para o mais difícil: a ação.
Rebranding está longe de ser momento de paz, talvez seja inclusive uma fase de guerra consigo mesmo. Rebranding não é apenas mercadológico, se feito com integridade, é existencial, profundo, cria "antes e depois".
Seu preço pode ser o cansaço, a absoluta falta de vontade de repetir aquele sofrimento anos depois. E, enfim, a estagnação.
Mas, até que ela chegue e a necessidade de reposicionamento se apresente mais uma vez, colhe-se os louros de apimentar seu talento com ousadia e associações aventureiras. Elis e Tom pertenciam a universos distintos e tinham estilos bem demarcados. Cede dali, cede daqui, os dois juntos saem com algo superior a um só.
No documentário, os entrevistados ressaltam como a cantora nunca mais foi a mesma. Foi melhor, chegou ao auge. Ao auge que sabemos, já que Elis foi embora cedo demais para vermos novos e potenciais rebrandings.
O que deixou de obra, no entanto, inspira racional e irracionalmente. Toca, remexe, silencia, sacode.
Elis, Tom, eu, você: em comum temos essa passagem pela Terra e a possibilidade de levar os nossos talentos, maiores ou menores, a um nível que transcenda o aqui-agora.
Emprestar prestígio, mas acima de tudo absorver conhecimento e se entregar ao caminho de erros e acertos, tudo isso são técnicas de rebranding poderosas para focar no porvir. A mais poderosa delas, talvez, seja vez ou outra tirar o foco de ganhos terrenos e pisar nas nuvens, entregar-se à arte perigosamente.
É assim que o desejo cada vez mais presente de ganhar 15 minutos de fama, de repente, não mais de repente, ganha status de promessa de vida no teu coração.
Pois é.
Quer ouvir esse texto?
Desta vez, acho que a trilha sonora pode fazer mais por você do que a minha leitura… Deleite-se.
Eu e o que escrevo
Textos, indicações de repertório e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, especialista em branding pessoal e carreira multipotencial, tenho pós em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por quase 20 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Ensino isso prática em palestras, treinamentos em empresas, colaborações e cursos.
Estou lançando nesta semana o novo Desencaixa Clube!
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