Antes de tudo, meu bom dia com um agradecimento imenso pelo retorno lindo que vocês me deram! Tentei responder ao máximo, mas aqui aproveito para estender meu muito obrigada a cada assinante!
Quero também dar uma palavrinha sobre o delivery do seu segundo descarrego semanal.
O texto de hoje tem muito de autobiográfico, mas foi escrito para toda e qualquer pessoa pensar na solidão como uma coisa positiva. Já encarou assim?
Você se silencia?
Consegue se sentar sozinha num lugar e ficar em paz?
Não lotar a agenda e curtir a própria companhia?
São aprendizados, e cada uma sabe seu limite. O que faço a seguir é uma espécie de convite para pensar no seu...
Quero destacar ainda 2 diquinhas metalinguísticas:
Todo texto da Descarrego tem sua versão narrada por mim, logo depois da escrita! É um charminho que nem todos viram (ouviram), mas recebi um carinho grande por essa ideia. É curtinho e é legal porque você compara minha entonação de autora com a sua leitura, sabe?
Você há de notar que o texto a seguir está cheio de metáforas de água, meu elemento favorito! É algo comum na minha fala e diz muito sobre mim. Venho, então, propor que perceba as SUAS figuras de linguagem também. Se são positivas ou negativas, que palavras e frases são recorrentes… Faz parte do processo de conhecer o próprio pensamento e, assim, se comunicar melhor, deliberadamente.
Bom, agora sim!
Vamos nos banhar nesse rio de transcendência e reflexões felizes porque a vida que de certa forma recomeçou neste 2023 não precisa nem deve ser endurecida, cinzenta. Pode e deve fluir, com esperança.
Vem remar comigo, vem.
Epa, não leu a sessão de Descarrego anterior? Pega o embalo então e CLICA AQUI para ler o texto #1, sobre friozinho na barriga.
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Descarrego #2 | Na terceira margem do rio
Um dia ela se deu conta de que estava só, profunda e solenemente só.
Diante desse pensamento, tentou não piscar, para forçar uma lágrima a cair. Mas o rosto continuava seco: aquela solidão não era triste. Era a constatação elementar da natureza humana que um dia bate à porta de todo mundo.
Assim que sai da barriga da mãe, o serzinho chora só. E, por mais que acredite estar acompanhado, embalado, vai passando pela vida sem ninguém extra até a cova, quando se integra ao útero maior, da natureza.
Talvez nossa condição seja tão social justamente por nos sabermos tão unitários...
Somos sozinhos.
Talvez nossa condição seja tão social justamente por nos sabermos tão unitários... Somos sozinhos
Ela pensou no que a trouxera até ali. Duas taças generosas de vinho, a brisa na varanda, a luz da noite limpa em contraponto à energia que acabara na rua minutos antes. Clima propício para divagações sem pé nem cabeça, ou com os pés e a cabeça lá, na Lua.
Naquela semana tinha sido rejeitada em tantas nuances... A amiga não podia; o cara não respondia; o trabalho não rendia; a família, ela não queria.
Vivia na solidão, que assombrava especialmente o fim da tarde e se materializava como um peso daqueles de recortar no ar. Até então, ela não dava chance ao peso de ficar leve: distraía-se ao lotar a agenda de encontros desimportantes e falar com gente pouco interessante sobre temas que já não lhe interessavam - não mais.
Ela se distraía ao falar com gente pouco interessante sobre temas que já não lhe interessavam
Estava sozinha, acima de tudo, porque tinha se isolado de si mesma.
Tinha perdido um pouco do traquejo nos seus mais caros assuntos e o timing das suas próprias piadas. Não via a mesma graça nelas e relutava em assumir isso.
Até aquelas duas fatídicas taças.
Por que eu tenho que continuar gostando das mesmas coisas se eu não sou mais a mesma? - pensou - Se levei tantos coices, li tantos livros, se procuro novos roteiros e rotas?!
Ela tinha mudado, por isso se sentia só. Não: não triste e só. Apenas só, sem drama. Que peculiar, não?!
O tempo carregou a poeira do entorno e no meio estava ela, limpíssima, mas até então inodora, insípida e incolor como água cristalina.
A tentação era de novo se expressar, se apressar, turvar essa água, preencher lacunas e povoar os pensamentos. Misturar novos ingredientes àquele copo cheio de incômodo. Adoçar a vida. Apimentar as noites. Mesclar seus dias com os de outrem.
Resistiu.
Uma vez na vida queria aprender a caminhar, ou a remar, sem braços extras nem âncoras. Se fosse sem graça, que fosse! Mas era ela, dela, com ela.
Queria aprender a caminhar, ou a remar, sem braços extras nem âncoras
Essa sensação de navegar por si mesma era nova. Dava medo quando o tempo fechava, mais ainda quando escurecia. Mas era singular e empolgante.
Remava, remava, intuindo um caminho que era todo seu, de mais ninguém. Não tinha um mapa, tampouco reservas e garantias para os próximos meses. Mas tinha a si mesma por inteiro. Tinha sua força, sua energia e seus sentidos. Tinha o rio todo só para ela, ora turbulento, ora calmo.
Ia escoando por uma terceira margem que transbordava, transcendia, e dava de ombros para as duas laterais que a espremiam.
Se o seu navegar incomodava, não era da sua conta! As margens que se alargassem! Quem quisesse acompanhar a trajetória que empunhasse seu próprio barco e se pusesse a remar. Ou a nadar. Ou pelo menos que molhasse os pés.
Os secos, os que têm medo da chuva, os que não mergulham fundo, já não podiam lhe acompanhar.
Remava, remava, remava. E os secos, os que têm medo da chuva, já não podiam lhe acompanhar
Estava só na própria companhia, descobrindo uma multidão em si mesma. Sem lágrimas tristes, numa solidão feliz, que a fazia mirar na direção certa - quase sempre equivalente a remar contra a maré.
Seja lá o que vier depois, nunca mais alguém encontrará a mesma mulher. Mas a encontrará em movimento, isso sim.
Quer ouvir esse texto?
Clica a seguir para ouvir a versão dessa crônica narrada por mim…
Solidão feliz (ou não) no Repertório
UM CONTO (E SUA MÚSICA)
Você já pode ter lido, mas eu peço: leia por favor de novo! O conto A Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa, foi publicado no livro Primeiras Estórias, de 1962. Desde então vem fomentando tantas lindas explicações que fico até curiosa para saber a sua. Adoro pensar nas margens do rio como figuras de prisão mas também de transcendência da condição humana ou das amarras sociais, numa pegada mais marxista. Camadas, tem muitas camadas de interpretação sobre a solidão humana. É incômodo e bonito.
A seguir, para sentir o conto com os ouvidos, a obra-prima musical de Milton e Caetano, inspirada na história de Guimarães Rosa e cantada pela genial Mônica Salmaso. Já conhecia?
UMA SÉRIE
Há também diversos modos de interpretação na festejada série Ruptura, da Apple TV, mas a que destaco hoje é a discussão sobre solidão. Até que ponto somos duas pessoas separadas no trabalho e na esfera privada? Isso é uma construção artificial capitalista que só reforça a sensação negativa de estar isolado dos outros e de si mesmo. O papel da memória como construção de identidade e a multidão de eus que mora em cada um... quantos você tem? Eles todos formam você e eu, mas nunca estão compartimentados.
UM LUGAR
A SUA casa, com rituais renovados. Por aqui, decidi reviver 3 novos, abandonados no ano passado:
Voltar a fazer ioga em casa; comprei um tapete delícia novo (meus gatos detonaram o anterior), este aqui. Agora é “só” praticar.
Voltar a ter uma rotina de skincare mais bem estabelecida, porém simples, porque já me conheço e não fico mais que 3 minutos nesse rolê rs. Sei que com um baita atraso, mas estou experimentando os produtos da Sallve para rosto e corpo; até o momento amando o Retinol e o tônico!
Cozinhar mais em casa e diminuir o delivery. Eu amo cozinhar, já fiz um curso de culinária da chef Elisa Fernandes e adoro as receitas dela, com muita coisa boa feita com vegetais e pegada francesa.
E você, vai fazer o quê na própria companhia?
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Reticências
"Todo mundo chama de violento a um rio turbulento, mas ninguém se lembra de chamar de violentas as margens que o aprisionam.”
Bertold Brecht
“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários.”
Heráclito
“Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida – ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o!”
Friedrich Nietzsche
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Eu e o que escrevo
Textos, indicações de repertório e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, especialista em branding pessoal e carreira multipotencial, tenho pós em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai. Trabalhei em grandes veículos de imprensa por mais de 17 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Pra dividir meu jeito de viver isso, faço esse Descarrego semanal! E no meu insta mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir ;-)
Essa newsletter sai toda terça com um mix de texto lúdico e curadoria de repertório pra gente se soltar nas ideias e refs. Se não assina ainda, tá aqui seu link:
Que bruxona maravilhosa! Cééééus! Que textoooow! Foi pra mim! Senti tudo aqui!
Adorei o texto! Acompanhei com a tua narração e realmente, dá um 'plus a mais' hehehe
Sucesso neste novo projeto! Tá muito legal =D