Como na redação dessa newsletter só tem eu e eu mesma, me permito gracinhas como a de hoje: um texto 100% irônico, fantasioso, mas tratando de um tema real e sério, à moda jornalística: a exaustão que vejo no meu círculo de amigos e em outras pessoas da minha faixa etária.
Se vai te divertir ou gerar reconhecimento - ou ambos -, não sei.
Só sei que eu mesma ainda estou em tratamento para burn out, que é algo lento de ser expurgado e exige atenção constante, e que ando alerta com a quantidade de conhecidos que relatam não aguentar mais trabalhar tanto.
Por cobrança, cansaço, desânimo, rotina corrida, metas irreais, pressão do sistema... por tudo isso e mais estamos pedindo socorro e precisando descansar. E recorremos aos nossos escapismos à moda antiga, motivo de (auto)piada no texto a seguir.
Eu sei o que você está sentindo, pelo menos um pouco...
Esse texto relata isso de um jeitinho meu. Espero que goste.
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Descarrego #19 | Geração Cansei
Segundo o Instituto Bruna Fioreti de Pesquisas Comportamentais, que trabalha com uma amostragem tendenciosa e margem de erro de 95%, 100% das pessoas na faixa dos 40 anos que precisam trabalhar para viver não querem ou não aguentam mais trabalhar.
Destes, cerca de 50% não faz a mais pálida ideia de que ações executar para que isso aconteça; enquanto a outra metade cogita "vender arte com as coisas que a natureza dá" - embora, quando questionada, assume não saber fazer nem tererê, muito menos diferenciar uma castanha do pará de um pistache se encontrados em ambiente selvagem.
"Não vem escrito no potinho?", questiona um deles, nascido e criado na capital paulista.
Ainda segundo a pesquisa, realizada no último mês na cidade de São Paulo, 70% dos respondentes gostaria de ser herdeiro, embora saiba da inviabilidade dessa possibilidade nesta vida. Os demais se dividem entre "só queria ter alguém que pagasse as contas", "desde a faculdade penso em abrir um bar com amigos" ou "só de falar em conta minha cabeça dói, me deixa abrir uma cerveja antes. Quer uma? Tem sem glúten...".
Todos os entrevistados relatam sintomas de exaustão, sendo que pelo menos 80% deles, se consultasse um psiquiatra amiúde, acredita que estaria em tratamento para burn out. Entre os sintomas relatados, pressão no topo da cabeça, olhos embaçados, dias inteiros dormindo, desânimo, dependência de medicamentos, álcool em excesso, altos e baixos de humor, entre outros.
Entre os sintomas relatados, pressão no topo da cabeça, olhos embaçados, dias inteiros dormindo, desânimo, dependência de medicamentos, álcool em excesso, altos e baixos de humor, entre outros - e isso é bem sério
E, embora haja ironia pacas até aqui, essa parte em especial é bem séria, bem real, que fique registrado.
Bem...
A conclusão do Instituto para a pesquisa - batizada de "Geração Cansei" - é que, segundo a amostragem e o cruzamento de dados, há um problema endêmico na geração nascida no final dos anos 1970 e início dos 1980 em aceitar que sua última transição de carreira (todos eles já fizeram algum tipo) não foi suficiente para garantir a estabilidade financeira.
100% deles frita a cabeça diariamente para encontrar novas maneiras de monetizar suas habilidades até então valorosas, mas cada vez mais descartáveis no mercado digital.
O estudo conclui ainda que os 40+ não se sentem representados por nenhuma outra geração e por isso se fecham em tribos, que chamam de "boteco" ou "churrasco", mesmo quando os convidados são veganos, para que possam chorar as pitangas com seus termos antiquados e deliberar como, além de sobreviver mais 40 anos pelo menos, graças aos avanços da ciência, farão para sustentar seus pais, já na faixa dos 70.
Nesses encontros tribais, nunca chegam a qualquer conclusão e acabam as reuniões falando de sexo, séries, livros e política, rindo descontroladamente de histórias contadas dezenas de vezes mas que ninguém lembra.
Quando alguém esboça uma ideia, ela é desenvolvida até a metade, mas termina inconsistente pois, como dito no início da reportagem, todos alegam "não aguentar mais trabalhar".
Quando alguém esboça uma ideia, ela é desenvolvida até a metade, mas termina inconsistente pois, como dito no início da reportagem, todos alegam "não aguentar mais trabalhar"
Também dizem que desistem dos projetos porque precisariam de "sócios ricos", "sócios com milhões de seguidores" ou "energia vital, que não tenho para começar nada agora". Assim, os "botecos" e "churrascos" terminam apenas com ressacas de três dias e novas reclamações por precisar trabalhar.
"Eu achava que queria ser grande, reconhecida, mas hoje só sonho mesmo em pagar as contas e sumir, virar uma lenda urbana", alega uma entrevistada. "Para mim, a ideia de ter chefia é insuportável, mas também não dou para empreendedorismo. Cansei de frilar e queria deletar as redes sociais, mas não posso", lamenta outra.
Apesar dos dados alarmantes, eles se mantêm confiantes no que chamam de "um futuro melhor", e repetem frases como "vai dar tudo certo" com frequência, desmascarando a forte influência de positividade tóxica em seus discursos, embora pelo menos 85% deles seja contra a cultura da autoajuda e deteste os coaches - exceto a fundadora do Instituto, descrita como "muito mais que uma coach", "a única coach que faz um método que funciona no Brasil" e "ela mesma tem burn out, entende a gente".
Alguns, inclusive, passaram por processos de coaching que os ajudaram a faturar mais e entrar no moinho neoliberal com êxito. Mesmo bem-sucedidos para os padrões da sociedade, confessam que, se pudessem, prefeririam não fazer nada o dia inteiro e não ter nem um real guardado, deixando para "seja o que Deus quiser".
Mesmo bem-sucedidos para os padrões da sociedade, confessam que, se pudessem, prefeririam não fazer nada o dia inteiro
Perguntados se gostariam de deixar comentários adicionais após o término do levantamento, os procurados quiseram reforçar a absoluta vontade de jogar tudo para o alto e a imensidão de como não sabem como fazê-lo sem falir completamente.
Cogitou-se uma revolução, mas logo a ideia perdeu força graças aos inúmeros relatos de dores na lombar, problemas no joelho, avarias estomacais e labirintite. Além dos mais variados tipo de surto, que impediriam a integridade de uma operação revolucionária para derrubar o ultraneoliberalismo preponderante.
"Vamos fazendo o que dá", resigna-se uma colaborada da pesquisa, sintetizando o sentimento de impotência esperançosa do grupo. "Fazer o que dá, mas marcar de tomar uma, porque a gente também precisa desanuviar", completa.
O Instituto se solidariza e agradece a colaboração, aproveitando para dizer que também vai encerrar suas atividades, pois foi muito exaustivo levar a pesquisa a cabo e seus integrantes não aguentam mais.
A newsletter Descarrego segue as atividades normalmente.
Grata, a direção.
Quer ouvir esse texto?
Acionei minha habilidade jornalística para lhe apresentar em áudio a reportagem de hoje, desprovida de isenção, mas com a credibilidade de quem tem, de fato, 100% dos amigos inteligentíssimos, talentosos… porém exaustos.
Geração Cansei no Repertório
UM FILME… DOIS
"Psicopata Americano", terror satírico já clássico de 2.000, é um retrato tragicômico da insanidade mas também do excesso de trabalho dos anos 1990, que plantou a semente para o que vivemos hoje em termos de hype dos workaholics e da própria acumulação de capital por executivos. Não só pelo surto retratado ali, mas por pequenezas como casa moderna do protagonista e os cartões de visita como símbolo de status, há muitas ironias que podemos transpor para nosso mundo corporativo hoje. Filmaço.
…
Eu te juro que vale muito a pena procurar pelos filmes de Chaplin, especialmente no caso da pauta de hoje, "Tempos Modernos", de 1936, se ainda não o fez. Ele mostra a classe trabalhadora em meio ao frisson da automação das indústrias, mas como, em vez de isso amenizar as dores do operário, acaba automatizando e embrutecendo sua rotina e sua mente, de forma enlouquecedora. O burn out de outros tempos.
UM LIVRO
Vou indicar o primeiro livro que li especificamente sobre burn out, lá na época da pandemia. Hoje já temos tradução no Brasil, e se tornou bem conhecido. Vale para entender o papel geracional dessa síndrome, que é muito mais do que um fenômeno psicológico simples e isolado. A obra, anota aí: "Não aguento mais não aguentar mais: Como os Millennials se tornaram a geração do burn out", de Anne Helen Petersen.
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Quem sabe a gente se entende ;-)
Eu e o que escrevo
Textos, indicações de repertório e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, especialista em branding pessoal e carreira multipotencial, tenho pós em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por mais de 17 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Ensino isso prática em mentorias individuais, palestras, treinamentos em empresas e cursos. Tem infos e conteúdo no perfil @projetodesencaixa
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