Acho que você vai entender quando digo que tem coisas que a gente não manja logo de cara… Encolher-se para caber na vida de alguém, num trabalho, num relacionamento ou em qualquer espaço é algo que nem sempre deciframos rapidamente.
Ou até vemos, mas não queremos aceitar.
Hoje, o texto é aquele despertador que às vezes falta pra gritar na nossa orelha: não entra nessa, não se abafa, não finge que nada…
Pode ser desconfortável, mas é o que eu senti que precisava descarregar hoje.
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Descarrego #14 | Desencolha-se
Entrou na máquina de lavar, sacudiu, se inundou, sacolejou mais um pouco, se espremeu, repuxou, foi sugada até que, enfim, saiu pensando que estava renovada.
Parecia boa a sensação de se mexer! Esperava estar cheirosa e macia, mas se deu conta de que estava era encolhida. Menor que antes, meio curvada, como se a máquina tivesse torcido cada fibra do seu ser para que ela coubesse no seu caldeirão frenético.
Demorou-se em frente ao espelho, se beliscou para ter certeza, mas era isso mesmo: a máquina tinha tanto feito que ela estava menor. Se agora cabia tranquilamente no tambor metálico de lava e seca, já não se aconchegava tão bem no seu próprio lar.
A máquina tanto fez que ela estava menor. Cabia agora no seu tambor, mas já não se aconchegava tão bem no seu próprio lar
Era, ela própria, uma roupa apertada demais para sua antiga eu, aquela que se tornara até então. A partir desse momento, constatou, teria de ser menos, menor, mais concisa e contida.
Se suas fibras se mantivessem encolhidas e desidratadas, se a sua face ficasse mais fechada, se sua fala passasse a ser mais espaçada, se seus anseios se tornassem menos espaçosos. Se...
E somente "se" ela se acostumasse a essa nova proporção do seu “ser eu” poderia voltar ao conforto desconfortável do tubo que sacode pra cima, pra baixo, imprevisível, amedrontador porém viciante e paradoxalmente acolhedor.
Cada vez mais encolhida, como aquela camiseta ampla, GG, que vai virando uma diminuta e torta P a cada lavagem, e ainda assim continua a passar pelo mesmo processo. Todo mundo percebendo e todo mudo deixando, reclamando de leve eventualmente, mas se acostumando ao que é mais fácil: a inércia.
Fazer igual mesmo que o igual seja assim, um espremedor, um rolo compressor, um congelador, um doloroso estica e puxa, um morde e assopra mascarado por perfume e maciez e cheirinho de novidade.
Em vez de mudar, fazer igual mesmo que o igual seja assim, um espremedor, um doloroso estica e puxa, um morde e assopra mascarado pelo cheirinho de novidade
O mofo está escondido lá embaixo e demora para aparecer e cheirar mal, você sabe, né? Vale para as máquinas de lavar verdadeiras ou metafóricas.
Honestamente, eu não sei o que é a máquina que te espreme e diminui hoje; só sei que enxergar o que nos aperta é um treino doloroso, mas útil.
Não é assim: percebi e nunca mais entro ali. Quem dera... Mas olhar para si e notar o encolhimento é um baita passo.
Sentir que não pode comentar.
Pisar em ovos o dia todo.
Deixar de dar a ideia porque vai ferir o ego frágil da pessoa.
Não poder celebrar uma conquista.
Ter que celebrar a conquista alheia mais do que a própria.
Perceber-se sempre num estranho diálogo interno tipo "o que estou fazendo aqui?".
Ser acusada de exagerar.
De ser louca.
De ser falar demais.
De fazer de menos.
De fazer errado.
Engolir tanto sapo até ficar com dor de garganta.
Achar de não deve mesmo ser merecedora.
Colocar outrem no pedestal e ajoelhar-se mesmo em pé.
Corroer-se para achar desculpa pelos outros.
Culpar-se até ficar em posição fetal na cama.
Chorar demais.
Sorrir de menos.
Não se reconhecer mais.
Os sinais:
Chorar demais
Sorrir de menos
Não se reconhecer mais
É, eu não sei qual a sua máquina de lavar, mas ela pode estar tentando lavar a alma dela usando os seus trajes.
Enquanto isso, cada fio que te conecta se desconectando, enroscando, quebrando e te diminuindo…
Antes de entrar lá de novo, pensa nisso. Você pode voltar a ser do seu tamanho.
Quer ouvir esse texto?
Clica a seguir para ouvir a versão desse texto narrada por mim...
“Encolhimento” no Repertório
UMA SÉRIE
"Mare of Easttown”, disponível na HBO e estrelada pela espetacular Kate Winslet, mostra um pouco do espremer-se e curvar-se de uma personagem que passou por um grande trauma - a sua máquina de lavar - e tenta tocar a vida sem sair da rotina enquanto resolve um drama policial em sua cidade. A dor da personagem, suas explosões e silêncios dizem tanto que lembrei na hora quando escrevi esse texto. Vale muito.
UM LIVRO
Falando em encolher-se para caber em espaços, nada mais apropriado que pensar nas prisões acadêmicas e de gênero descritas por Paul B. Preciado no livro “Eu Sou o Monstro que vos Fala”, fazendo menção ao famoso conto de Kafka no qual um macaco “humanizado” revela como a razão foi a pior jaula que já tinha experimentado. É a reprodução de um discurso de Preciado para um grupo de psicanalistas num evento em 2019 que provocou e ainda provoca discussões acaloradas. Não dá para ler e sair igual desse texto.
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Reticências
Ninguém pode fazer você se sentir inferior sem o seu consentimento
Eleanor RooseveltSe uma mulher tem poder, porque é que é preciso disfarçar que tem poder? Mas a triste verdade é que o nosso mundo está cheio de homens e de mulheres que não gostam de mulheres poderosas
Chimamanda Ngozi Adichie
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Quem sabe a gente se entende ;-)
Eu e o que escrevo
Textos, indicações de repertório e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, especialista em branding pessoal e carreira multipotencial, tenho pós em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por mais de 17 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Ensino isso prática em palestras, business coaching, treinamentos em empresas e numa mentoria bem seleta chamada Desencaixa - que está na lista de espera.
Pra dividir com mais gente a minha escrita e as minhas ideias, faço esse Descarrego semanal! No insta, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
Essa newsletter sai toda terça com um mix de texto lúdico e curadoria de repertório pra gente se soltar nas ideias e refs. Compartilhar faz MUITA diferença, então é só usar o botãozinho aqui:
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Preciso exaltar seu descarrego de hoje. Eu precisava muito ler aquilo e refletir sobre o que me encolhe, me aprisiona. Minutos depois de uma crise de ansiedade e choro, li seu e-mail e me senti abraçada e entendida. Afinal, só quem é desencaixada consegue entender essa agonia que é viver dentro dos padrões. Agonizei, esperneei, e decidi sair da caixa. Obrigada por dividir tudo isso com a gente 🖤
Arrasou como sempre, Bru. Continua cuidando muito de vocÊ pra gente não precisar ficar sem o seu cérebro e essas ideias incríveis que saem daí de dentro!