Hey, você! Hoje venho com um miniconto com metáforas e reflexões sobre como é ter uma existência absurdamente apaixonada.
Será que uma hora a gente precisa, calmamente, deixa o amor entrar? E dá pra fazer isso facilmente?
O texto traz o lúdico; o repertório, as reflexões e até um livro técnico sobre traumas, simples e elucidativo.
Para você, apaixonada, desapaixonada, desapontada ou recém-flechada pelo Cupido, há de ter alguma serventia. Espero <3
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Descarrego #12 | Fogo e paixão
Ela tinha fome, uma fome insaciável de se apaixonar.
Pensava, a princípio, que era algo totalmente involuntário.
Deveria existir uma espécie de Cupido cósmico - que costumava chamar apenas de “o Universo” - responsável por colocar Aquela pessoa Naquele momento no Ângulo perfeito para que ela olhasse e tivesse certeza de que era A escolhida.
Acreditava numa espécie de Cupido cósmico pós-moderno. Costumava chamá-lo apenas de o “o Universo”
Quando se dava conta, já estava cantarolando músicas românticas em inglês, que nem entendia direito, com olhos fechados e uma quase-dor no peito. Já estava repassando 32 vezes os momentos a dois do dia, tentando caçar palavras cifradas e sinais de reciprocidade numa brincadeira qualquer.
Mencionei que isso tudo acontecia quando ela tinha uns 5 anos?
É. As paixões começaram cedo para a nossa intrépida personagem e provavelmente por isso passaram a ser seu estado de humor natural e desejável.
Desde pequena, estava umas batidas acima do ritmo da multidão. Alguns graus mais saturada que a paleta da maioria. Umas gotas mais apimentada que o prato dos outros.
Pouquíssimas vezes soube o que era viver no hiato: vivenciar o não estar pensando em ninguém amorosamente falando.
Quando vivia um hiato de paixões, forjava um afeto para si mesma. Queria sentir o peito espremer com aquela dor boa
Nas raras vezes em que isso se dava, forjava um afeto para si mesma, inventava um amor platônico qualquer cerrando os olhos e tentando sentir o peito espremer com aquela dor boa.
Com a trilha sonora certa e o tempo, a sensação viria.
E vinha, mas só quando queria e quase nunca pulsando pelo alvo escolhido. O tal do Universo, o Cupido pós-moderno…
Quando a paixão voltava a habitar seu corpo e possuir sua mente, ela se energizava para todo o restante, entrando num estado de graça que a fazia brilhar quase que literalmente.
A opacidade não lhe caia bem, Cupido que desse flechadas para que a paixão e sua intensidade sempre a encontrassem no caminho!
Com o passar do tempo, e os altos e baixos dessa vida demasiadamente apaixonada, percebeu que era ela que se colocava na frente das flechas. O ato de se apaixonar era menos aleatório do que parecia, porque havia uma abertura a priori. Explico.
Com o passar do tempo, e os altos e baixos da vida demasiadamente apaixonada, percebeu que era ela que se colocava na frente das flechas
Enquanto uns fugiam para o meio-fio, ou se escondiam da chuva, ela acelerava no meio da pista e acendia o pisca-alerta insistentemente até colidir com alguém quase sempre no mesmo estado de espírito.
Apaixonados, com sua querência fervente, se cruzando na mesma pista, em velocidade semelhante, loucos para a batida acontecer e ser uma hecatombe! Capotar, pegar fogo, rolar barranco abaixo, ambos se salvarem, se machucarem, se curarem ou até morrer um pouco se fosse preciso.
Valia a pena. Essa era a graça, a força, o empurrão, o tranco! A dor boa. A alegria doída.
Talvez por esse encontro se dar entre iguais (igualmente apaixonados e apaixonantes), seus amores eram sempre grandes paixões. Foi o que constatou em seus casos mais intensos.
Os seus encontros costumavam ser entre iguais, igualmente apaixonados e apaixonantes, e talvez por isso seus amores eram sempre grandes paixões
Isso de a paixão dura poucos meses não era para gente como ela, com um fósforo no cérebro e um isqueiro sempre a postos para acender a chama no coração.
Tudo nela fervia. Geralmente trazia para seu caldeirão enfeitiçado seus pares, tão interessados em se encantar que mesmo quando amavam tentavam fazê-lo apaixonadamente.
Tudo nela fervia
Como é da natureza das paixões, porém, ela deixava suas sequelas.
O amor, aos poucos, ficava com as beiradas corroídas, queimadas, e terminava por incendiar-se a si mesmo sem que ninguém entendesse bem por quê. A paixão maculava o amor, que se autocorroía eventualmente por crise de identidade: não conseguir ser nem de uma natureza nem de outra.
O pobre perdia sua serenidade e sua cola se mostrava mezzo derretida mezzo endurecida - pena, porque era ela que unia os flechados depois de muitos anos - a cola do amor, pouco resiliente à paixão.
Nossa personagem foi acumulando as cicatrizes de tantas queimaduras e percebendo uma mudança crescente em si mesma: ainda queria que o Cupido passasse por ali, mas pedia flechadas gentis, quem sabe avisadas com antecedência e um tiquinho menos incendiárias?
Apaixonada continuava a ser seu modo de vida, seu jeito de entender o ser, o fazer e o saber. Seu vício. Mas ela podia parar quando quisesse, certeza! O high da vodca era seu velho conhecido, mas ela conseguiria tragar doses mais fracas, tentar uma cervejinha, quem sabe um café açucarado.
O high da vodca era seu velho conhecido, mas ela conseguiria tragar doses mais fracas, tentar uma cervejinha, quem sabe um café açucarado.
Dessa vez, prometeu a si mesma, deixaria que o amor e a paixão seguissem suas trilhas separadamente quando chegasse o momento.
Não brigaria com o tempo.
Cutucaria suas feridas e alisaria as cicatrizes para se lembrar das consequências de uma existência apaixonadamente elevada.
Tentaria mostrar para o outro viciado em paixão sua ideia de amornar um pouco as coisas. Torceria para ele ter também escaras purulentas o bastante para captar a mensagem e deixar a paixão dar lugar a um morno porém reconfortante amor. Só amor.
Mesmo quem é feito de fogo o teme, porque sente seu calor mais do que quem só se aproximou dele. O amor era o extintor, e ela agora queria deixá-lo chegar
Quem se queimou foge do fogo, ela passou a dizer. Mesmo quem é feito de fogo o teme, porque sente seu calor mais do que quem só se aproximou dele. O amor era o extintor, e ela agora queria deixá-lo chegar.
Boa sorte para ela.
Quer ouvir esse texto?
Clica a seguir para ouvir a versão desse texto narrada por mim.
Fogo e paixão no Repertório
UM FILME
Disponível na Prime Video, o grande vencedor do Oscar, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, merece entrar no seu multiverso atual. É uma comédia que embarca no absurdo enquanto traz reflexões existenciais, sobre traumas, relacionamentos etc. Na minha visão, é daqueles filmes que vão crescendo, como um show de jazz, e deixando a gente frenética junto. A ideia sempre presente de que nada importa tanto quanto parece nos lembra da natureza ínfima da nossa existência e dos nossos problemas, enquanto ressalta as coisas que realmente importam e a nossa força desconhecida. O amor? Ele pode não soar tão charmoso quanto a paixão, mas é um conforto no caos do mundo. Pensei nisso e em muita coisa ao assistir… Vê também.
UM LIVRO… DOIS
O primeiro é o já badalado O Jovem, de Annie Ernaux, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 2022, que não está aqui só porque publicado pela Fósforo Editora rs. Conciso mas profundo nas reflexões, descreve um romance com um homem muito mais novo que a autora, enquanto ela vai nos mostrando o que está por trás daquela paixão e os traumas que está curando com a relação.
Falando no tema, indico a leitura de Trauma, uma Epidemia Invisível, de Paul Conti, lançado no ano passado. Embora tenha pesquisa por trás, é pensado para a compreensão do público leigo e para ajudar na prática a cada um detectar suas feridas psíquicas e começar, dentro do seu tempo, a curá-las. Fácil de ler e às vezes difícil de digerir, porque é possível que você se encontre em vários dos comportamentos dos traumatizados. Como falamos aqui hoje de paixão, de amor… achei que valia falar também dos traumas subjacentes que muitas de nós temos com relação a essa esfera. Foi bom pra mim ler; então cá está indicado pra você.
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Reticências
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo AmorLuís Vaz de Camões
Que tal hablar de parcerias?
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Quem sabe a gente se entende ;-)
Eu e o que escrevo
Textos, indicações de repertório e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, especialista em branding pessoal e carreira multipotencial, tenho pós em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por mais de 17 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Ensino isso prática em palestras, business coaching, treinamentos em empresas e numa mentoria bem seleta chamada Desencaixa - que está na lista de espera.
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