Qual sua lembrança com a Barbie? Consumo? Imaginação?
Bem…
Essa não é uma newsletter sobre o filme novo da boneca, até porque ainda não vi. Mas a onipresença do tema e o frisson da galera com o mercado pink me fez rememorar a minha história com a Barbie.
Eu me peguei pensando no mercado em torno dela, na minha infância, na capacidade de imaginar mesmo sem ter todas as posses e em como a criança que a gente foi pode contar muito sobre o adulto que nos tornamos.
Lá vem nostalgia…
Porque esse espaço aqui é Descarrego, afinal :-)
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Descarrego #27 | Barbies e vagalumes
Eu nunca quis ser a Barbie.
Hoje sei disso não só porque já me peguei virando os olhos para o hiperconsumo em torno da boneca agora que há um novo filme sobre ela. Que fique claro, antes de continuar: meu tédio é com o buzz mercadológico acrítico, não para o longa em si, que promete ser bem competente.
Eu sei que não queria ser a Barbie justamente porque o burburinho me fez rememorar a minha relação com o “Pink Business”, que já era fortíssimo nos anos 1980 e 90, quando eu brincava com a Kate.
Eu tive uma Barbie e, sim, ela tinha nome de protagonista de “Sessão da Tarde”. Tive um Ken também, que batizei de Jonas.
Brinquei com ambos por anos e cheguei a ganhar de um amigo dos meus pais que tinha mais grana e um coração enorme o que seria o “shopping da Barbie”, com uns sapatinhos e chapéus que eu adorava.
O curioso foi o que NÃO tive.
Sonhava com o carro fúcsia metalizado que a Kate jamais pilotaria, com a casa de dois andares, com a piscina, com tanta coisa que nunca chegou às minhas mãos porque ninguém tinha dinheiro pra isso. Pelo que sei, eu nem pedia essas coisas, só fantasiava mesmo; e o sonho dava conta.
Quando eu via coleções de Barbies e apetrechos nas casas das minhas amigas, confesso que me perguntava como elas brincavam com tudo aquilo…
Pra que tanta boneca se uma dava mil histórias?
Quando eu via coleções de Barbies e apetrechos nas casas das minhas amigas, confesso que me perguntava como elas brincavam com tudo aquilo… Pra que tanta boneca se uma dava mil histórias?
Tínhamos, eu e as minhas irmãs, caixas com trapinhos diversos para vestir as bonecas para as muitas ocasiões de suas vidas agitadas. Essa era a parte de que eu mais gostava: inventar roupas. Nunca ligamos para vestidinho pronto.
A boneca estava sempre linda de frente e despida atrás - o que importava era o que se via nas câmeras dos meus olhos, afinal.
Um dia, do nada, fui lá e cortei o cabelo da Kate chanelzinho. Eu estava na quarta série, acho, e foi quando eu mesma quis pela primeira vez ter um corte perto da orelha.
Essa foi, desconfio, a minha última tentativa de me identificar com a Kate. Os cabelos curtos mostravam que a gente era diferente das outras meninas, supunha eu. Nós nos achávamos mais decididas, fortes, fashionistas. E sem essa de “cabelo cresce” - pelo menos pra ela.
Logo, a cabeça da Kate caiu e nunca mais encaixou direito no pescoço.
Nem a minha.
Logo, a cabeça da Kate caiu e nunca mais encaixou direito no pescoço. Nem a minha.
Naquela fase, passei a brincar mais de escolinha (virtual e real, porque eu dava aulas particulares na vizinhança).
Também desenhava muito e lia à beça, além de andar de bicicleta, jogar vôlei na rua, bolinha de gude e procurar vagalumes quando anoitecia no nosso bairro, que tinha muitos terrenos baldios, construções, bichos e chão de terra. Uma aventura para crianças.
Por falar em vagalume, esse era o nome da coleção de livrinhos que primeiro devorei de cabo a rabo na vida. Você também? “O Caso da Borboleta Atíria”, “Coração de Onça”, “O Escaravelho do Diabo”…
A Kate?
Ah, ela passou a ficar jogada lá na caixa de trapos com o Jonas.
Minha mãe certamente doou.
Não senti falta dela, porque a brincadeira não era exatamente sobre a boneca e o universo capitalizado em torno dos itens cor de rosa.
A brincadeira era viver outras vidas para deixar aquela imaginação fervilhante correr. No meu caso, essa mágica foi indo para o desenho e para os livros. Tudo sem apego, porque aprendi assim em casa: os desenhos, descartava depois de prontos; os livros, devolvia para a biblioteca.
Não era sobre ter pra sempre, mas ter no momento.
Não era uma lógica de apego. Os desenhos, descartava depois de prontos; os livros, devolvia para a biblioteca.
Por isso, tenho para mim que a Kate nunca foi Barbie fasc… capitalista. Eu tentava fazer minha Barbie ser do mundo, com seu corte meio Vidal Sasson, menos pink e uma vida livre (quase sempre deixava o Ken de lado, pobrezinho).
Normal que a Kate se mudasse de casa sem que eu soubesse. Normal que eu nem notasse sua partida...
Eu gostei dela, só não me apeguei.
Também brinquei pouquíssimo de maternar bebê, não me atraía nada - e ainda não atrai.
Do Fofão, gostei muito, mais para pentear o cabelo. Esse aí parou no rio (que absurdo, eu sei) por causa das lendas que… um dia conto sobre elas.
Voltando ao centro da história: nunca quis ser a Barbie, e até a minha Barbie parece que desistiu de ser Barbie em certo ponto, mas tivemos nossa história, que a Mattel não vendeu toda pronta para mim.
Lúdico e consumo são coisas diferentes, precisam ser, né?
Com as barbies que conheci depois, as de carne e osso, me identifiquei muito menos que com as de plástico.
Eu não podia desconstruir suas roupas, sugerir novos cabelos, muito menos domar suas atitudes. Não tinha como barrar sua tara consumista e explicar que nem tudo é a nuvem cor de rosa do seu mundo particular - ou positividade tóxica mascarando privilégio, se preferir.
Eu não podia mexer no “pinkness” delas. Ai de mim!
Podia apenas aderir ao rosa à minha maneira. Se fiz essa adaptação com a Kate, por que não comigo mesma?
A Kate foi a Kate. A Bruna foi virando a Bruna.
Da Kate, trago a cabeça desencaixada e a certeza de que é preciso dosar o espaço do Ken.
Eu não queria ser a Barbie nem a mãezona dos bebês realistas, mas gostava de ter amigas, vestir os saltos e as maquiagens da minha mãe e de ser menina.
Hoje, raramente visto pink, não tenho filho, nem sempre uso salto, mas continuo a amar as amigas, as maquiagens e a moda. E gosto, gosto muito de ser mulher.
Da Kate, trago a cabeça desencaixada e a certeza de que é preciso dosar o espaço do Ken. Da minha versão criança, o desapego e a vontade de encontrar vagalumes. Se procurar bem, eles ainda estão por aí.
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Bonecas e afins no Repertório
UM FILME… OU DOIS
Não preciso indicar que você assista o pink-movie do momento, mas posso te lembrar algo que o Ken dele, o ator Ryan Gosling, fez de muito bom com outra boneca. Em A Garota Ideal, lá de 2007, ele interpreta um homem com problemas de socialização e nos traz uma história tocante. O personagem principal acredita estar com uma namorada, que na verdade é uma boneca de sex shop, e todo mundo que o cerca passa a ter que lidar com isso. É um drama com toques de comédia sensível.
Her, Netflix
Aqui não se trata de uma boneca, mas também de uma pessoa que não é feita de carne e osso. O premiado Her, ou Ela, traz o espetacular Joaquin Phoenix se relacionando com uma voz, a inteligência artificial do seu novo programa de computador. Acontece que o protagonista se apaixona profundamente e passa a vivenciar uma realidade paralela e ao mesmo tempo totalmente integrada à sua - proposta que começa cada vez mais a parecer tangível, se a gente pensar bem.
Eu e o que escrevo
Textos, indicações de repertório e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista, especialista em branding pessoal e carreira multipotencial, tenho pós em Mkt Político, cursei coisas variadas, tipo Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por mais de 17 anos até começar a ensinar e mentorar mulheres na seara da marca pessoal no digital e no trabalho. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada. Ensino isso prática em mentorias individuais, palestras, treinamentos em empresas e cursos.
Pra dividir com mais gente a minha escrita e as minhas ideias, faço esse Descarrego semanal! No insta, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
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