PAUSE 79 | Intoxicados de fast-tudo
O que fazer quando a lógica de trabalho está tão acelerada que nos induz à insegurança e ao erro? Hoje, servimos muita reflexão e uns palpites
Hoje eu trouxe umas ideias que ficaram martelando aqui quando vi a história das intoxicações com o Quarteirão nos EUA. Aquela mistura de ideias lé-com-cré que não vejo o Chat GT fazendo, hein? rs Você vai ler e pode me dizer.
Aproveito pra dizer que estamos entrando na leitura deliciosa sobre arquétipos de “O Despertar da Heroína Interior", da Carol S. Pierson, neste mês. Bora fazer esse clube de livro e repertório sacudir, gente?!
Estou estudando uma maneira de a gente se aproximar no clubinho, e os textos especiais de assinantes devem começar a vir em edições à parte de Pause. Acho mais adequado à proposta também, de pequenas pausas, menos massa de texto de uma só vez. Então, assinantes, vamos falando e tornando isso cada vez melhor!
Aproveite sua leitura.
PAUSE PRA PENSAR
Hambúrguer, cebola e Tempos Modernos
Quarteirão com queijo sempre foi meu sanduíche favorito entre os fast foods, especialmente pela picância da cebola e do picles. É... Esse mesmo que intoxicou uma porção de gente nos Estados Unidos e fez a cebola ser retirada do cardápio do Mc Donald’s, numa baita crise de confiança - que até o momento parece estar sendo bem gerenciada.
Um quarteirão, inocente e simples, parecia não ser capaz de intoxicar ninguém. Mas o episódio recente lembra que a lógica em torno dele, sim, é bem capaz de espalhar intoxicação. A produção massiva, despersonalizada e descaracterizada do alimento. O fornecedor errado, na hora errada, num negócio que lida com toneladas.
O "fast" mais importante que o food", porque tanto o "fast" quanto o "food" são na verdade sobre produtividade, dinheiro, lucro, a máquina girando por meio de delicinhas viciantes.
Relação tóxica essa.
Bem verdade: as intoxicações podem acontecer em qualquer estabelecimento. Eu mesma tive a pior intoxicação da minha vida uns dois anos atrás quando comi um sanduíche de ostra de um restaurante fino de São Paulo. Sou sensível a ostras, hoje eu sei, mas já tinha comido na vida - por preço bem menor, aliás - sem passar um dia inteiro no hospital pensando que ia morrer desidratada.
Não é a comida meu foco aqui, nem quero discutir o preço que pagamos por ela.
O que me chama a atenção é o mecanismo - sim, tóxico - que toma conta dos estabelecimentos e das nossas mentes. Não há padrão de qualidade que resista à ânsia pela produtividade 24 horas. Seja no lanchonete da esquina, seja na cozinha do bistrô estrelado, sabemos que há uma porção de Chaplins apertando parafusos sem parar, como no clássico "Tempos Modernos".
Há Chaplins uniformizados ganhando menos, com menos escolaridade, fritando hambúrgueres.
Há Chaplins de doma, bom salário, que estudaram em Paris, empanando ostras e pinçando brotos de rúcula.
Há, e haverá mais, Chaplins inteligentíssimos gerenciando inteligências artificiais cada vez menos gerenciáveis.
São, todos eles, trabalhadores imbuídos da lógica da produtividade extrema. Por crença ou necessidade, pilotam máquinas e ideias tentando se provar, constantemente exauridos e com a constante sensação de dívida.
Você pode mais. Você deveria conseguir mais. Você quer parar por aí? Você pode se dar ao luxo de estagnar?
Por mais que haja padrão de qualidade, treinamento, tecnologia, insumos bons e uma aura de cortesia, pessoas cansadas são pessoas cansadas. Elas falham, deixam passar, passam dos limites.
Quem deixou a cebola passar, ou a ostra, ou um cabelo no prato? Pode ser você, eu, qualquer um. Mas, no fundo, bem sabemos, não é uma pessoa. É um sistema.
Somos todos Chaplins
Se você andou incorporando diversas pequenas mudanças profissionais neste ano, se tem lançado mais projetos e menores para se testar, se sente que precisa estar sempre atualizado, dando ideias e se virando nos trinta, que enxuga gelo para manter o status profissional, se tem medo de sumir e ser esquecido… parabéns, você está lá com o cara da ostra ou da cebola na esteira capitalista repetindo movimentos à la "Tempos Modernos".
Você está, nós estamos, no que chamo de a era do fast-tudo, ou a lógica dos drops.
Fast-tudo porque não podemos parar a linha de produção, produção e reinvenção constante de nós mesmos. Mesmo quando tentamos entregar mais qualidade, nos vemos impelidos a nos apressar, já percebeu? O mundo não parece querer esperar o timing de criação de algo aprofundado. Aí, já viu, escapam as ostras estragadas com risco de manchar a nossa reputação...
E a história dos drops, eu trouxe da moda. É uma lógica que remete às pequenas coleções que as marcas de moda, beleza, empresas em geral têm lançado para manter a máquina do desejo e do consumo ativa, em contraposicão às coleções maiores pautadas por estação, que víamos antes.
Hoje, não só as fast fashion lançam pequenas coleções. Pode reparar, praticamente todas as marcas lançam seus drops, ou pequenas coleções, semanalmente, mensalmente... A roda do capitalismo e do trabalho está girando mais rápido, e precisa ser azeitada toda hora!
A questão é que nós - pessoas, humanos, Homo sapiens - e não só as marcas, estamos nadando neste azeite aí. Precisamos girar junto, fazer os nossos drops saírem do forno também, tal qual Quarteirões com Queijo na hora do almoço. Rezando para que não haja nada contaminado, torcendo para que gostem do que produzimos, nadando mas sempre com medo de nos afogar.
Toda semana precisamos apresentar alguma novidade, dar a sensação de novo fôlego pra manter a relevância.
Isso é bem evidente pra quem produz conteúdo e precisa se atualizar, se posicionar digitalmente, saber do que é quente para postar em rede social. Mas resvala em todas as profissões.
Como não saber do assunto do momento numa reunião? Não propor ideias novas, dar o 101% que esperam de nós sem ficar preocupado? Como não ficar tenso quando alguém fala de uma tendência que a gente não conhece? Ou não nos sentir ameaçado se alguém propõe um projeto na nossa área, enquanto tocávamos tranquilamente a agenda proposta?
Ficar na agenda é so last season.
Parecemos lentos, ultrapassados e até preguiçosos quando fugimos demais desse ritmo, ou nos recusamos a engatar nos assuntos do momento - que hoje ficam datados em dias, no máximos semanas.
No fast-tudo, na lógica dos drops, mesmo contrariados, nos vemos impelidos a oferecer novidades, ser máquinas criativas para nos diferenciar.
Vai todo mundo recorrer ao Chat GPT, fazer um curso novo, procurar entender do futuro. Mas não é suficiente, e já adianto: nem vai ser, porque o que você sabe hoje não contempla a McTrend Feliz de amanhã.
Um McDropFeliz
Óbvio que essa é uma lógica perversa, que nos deixa exauridos e tem feito do burnout uma das doenças da década. A toxidade da sociedade neoliberal nos envenena por dentro. É um corpo estranho que ingerimos felizes, porque tem gosto e texturas boas, mas com o tempo vamos descobrindo que o nosso organismo não está preparado para processar seus compostos.
Ainda assim, continuamos a botar goela abaixo por não vislumbrar outro alimento disponível.
Fica a reflexão.
Tem como fugir disso? Realmente existe "slow" no meio de tanto "fast"?
Não há uma fórmula única, porque é algo enorme, parte do sistema. Bobeou um minuto e lá vai a ostra de anteontem no sanduíche da pessoa incauta...
Quanto mais me debruço sobre o tema, menos simples fica trazer soluções. A única coisa que posso afirmar é que impor limites inclusive para si mesmo é uma medida urgente. Estou falando da hora de se afastar do celular, de terminar o expediente pra valer e se desligar, como fazíamos quando tínhamos um Nokia azulzinho na mão em vez de um iPhone com AI.
Fez seu drop? Não fez? Não importa, tchau, vai viver.
Além disso, talvez se apropriar da lógica dos drops com um planejamento mais esperto - mas aqui, confesso, existe um molhinho de quem está mastigando um quarteirão simbólico com formações em coaching muito bem assumidas.
Apropriar-se do fast-tudo sem ser engolido por ele, vejamos se dá.
Primeiro, provisionando os conteúdos que vai publicar, com uma espécie de cronograma editorial para manter a presença digital num nível saudável e possível na rotina. Você existe no digital, se faz lembrar, porém sem se deixar escravizar não só pela produção como pelo consumo de tanto conteúdo. Estamos falando de limitar o quanto produz e o quanto consome dos "drops" alheios.
Limites, limites autoimpostos em rede social, internet como um todo.
E como não dá pra fingir que essa lógica não existe, podemos planejar os drops de "brilhantismo" semanais no trabalho, nos organizando para contribuir nas várias situações sem entregar uma chuva de ideias de uma vez. Sim, estou propondo algo que eu mesma jamais consegui: segurar a onda e a criatividade para mais tarde, valorizar um pouco mais o passe!
Trazer ideias mais bem apresentadas, por exemplo, já vai valorizar o que tem a oferecer sem que você precise se perder no ritmo de entregas frenéticas. O empacotamento importa muito numa sociedade imagética e superficial.
Jogar o jogo talvez tenha a ver com isso, escolher como entrega e em que momento entregar seu ouro, saber dosá-lo semana a semana para parecer engajado e criativo, em vez de esgotar tudo num rompante.
"Ah, mas a criatividade vem em rompantes". Basta segurar algumas coisas para depois e se manter entregando, entregando... Sai uma batata, sai um sunday, um refri e por aí vai. Precisa entregar o combo de uma vez?
E quem sabe a gente pode pensar na lógica dos drops ao contrário, tirando a ansiedade de pensar muito lá na frente, vivendo uma semana de cada vez?
Sabendo que estamos sempre mudando, de carreira, de vida, de ideia... As mudancas profissionais estão sempre em curso, não é só com você, e não precisam mais ser drásticas nem dramáticas, elas vão acontecer, já estão em curso. Veja só: toda hora teremos recomeços, quedas e saltos profissionais, a montanha-russa faz parte de viver neste mundo. Aceitar que não é porque você fez algo errado alivia muito. Entender que viver o hoje é o "drop" mais importante também. Fazer um cozido de 12 horas em vez do lanchinho de vez em quando lembra que existe mais do que isso tudo.
Eu deixei meu drop aqui e vou ali fazer uma pausa. Porque já fiz drops além da conta na vida e, ó, eu sei no que dá.
Pause é…
Esta newsletter tem um ano e meio e se reafirmou recentemente como um local de textos e referências para pensar novos moldes de vida e de carreira. Ganhou o nome PAUSE para lembrar que às vezes é preciso pausar para continuar em movimento - seja descansando, repensando a vida, lendo, revendo conceitos, mudando a direção…
Estudo comportamento, branding pessoal, moldes de carreira, tendências e uso abundância de referências desde sempre. Isso está aqui. Depois do burnout que tive dois anos atrás, passei a olhar ainda mais criticamente para os temas que sempre estudei, e agreguei mais saúde mental, bem-estar e “relax” para o combo. Então isso também paira nas nossas conversas.
O resultado é esta newsletter, que passou a ter versão de assinatura paga (R$35 por mês), com conteúdos novos e exclusivos.
Recordando o que temos aqui:
Clube do Livro e do Repertório, com encontros virtuais para assinantes
Insights e ideias de branding pessoal, carreira e outros temas quentes para assinantes, com exclusividade
Eventuais descontos em projetos especiais
Claro, o texto mais lúdico da newsletter semanal, que continua gratuito
Eu, o que faço e Pause
Oi, eu sou a @brufioreti 🙂.
Jornalista. Especialista em branding pessoal e transição de carreira. Defensora do repertório amplo e do combo ler/escrever para viver melhor. Generalista por natureza, interessada em comportamento, neurociência, emoções, arte, feminismo, moda e tendências.
Tenho 20 anos de jornalismo como editora em grandes redações, cobrindo principalmente Cultura, Comportamento, Moda e Beleza: os lugares que mais me marcaram foram a Revista Glamour, onde fui redatora-chefe por 5 anos, e o Estadão e seu extinto primo paulistano Jornal da Tarde, nos quais passei 6 anos.
Sou das Humanas, mas trago números para me apresentar, veja você.
Tenho quase 42 anos de vida, 18 anos vivendo em São Paulo, 8 anos de empreendedorismo, 6 planetas no mapa em Libra, 2 casamentos, 2 gatos, zero filho.
Dezenas de cursos ministrados por mim, chuto pelo menos uns 15 como aluna entre pós e extensões. No mínimo 8 mil alunos e mentorados até aqui, palestras que não consigo mais contar.
Uns 5 projetos iniciados e não terminados, livro sendo escrito. Muitos porres nesta vida, poucos palpites sobre outras.
Um burnout pra conta e um sem-número de ideias pra dividir <3.
Nesta newsletter, tento sempre voltar à estaca zero e me lembrar do que realmente importa. Aciono o botão PAUSE e venho compartilhar sem pressa nem algoritmo coisas que me ocorrem gerundiando: vivendo, mentorando, botecando, estudando, ensinando.
Trago leituras, práticas e Clube do Livro para quem quer pensar novos moldes de vida e de carreira e sabe que pausar é o único jeito de continuar em movimento.
Ah, essa lição, aprendi com muita força depois de passar por um burnout e faço questão de levar adiante.
obs. para saber mais dos meus trabalhos para além desta seara, em palestras e cursos, acesse brufioreti.com.br
obs2. para assinar a newsletter, é só colocar o seu email abaixo. Você também pode já garantir a sua assinatura paga, com os benefícios descritos antes.
Excelente reflexão! Eu também já fiz drops demais e a duras penas aprendi que o resultado não foi bom pra mim. Aprendi que não preciso e não quero mais ser a heroína ou guerreira que tenta resolver tudo e ainda brilhar. Mas entre a consciência e a execução, há um esforço consciente pra encontrar um equilíbrio.
Fazer parte do Pause faz parte desse novo caminho.
Bru, adorei o texto de hoje! Quero muito entrar no clube do livro. Só ainda não fiz isso porque estou com muita coisa pra administrar, mas acredito que em dezembro estarei mais tranquila. Beijos! ;)