Descarrego #60 | Vc é a sua história
Ressignificar experiências é uma tecnologia ancestral. Que tal usar?
Qual história mudou a sua vida? Ou deu aquela virada de chave? Quais - podem ser várias. Me conta? Me deixa contar?
Há 20 anos como jornalista, esse tem sido o meu maior ofício. Ao ouvir a história de alguém, sempre investiguei os detalhes, pedi descrições, sensações, questionei incongruências, respeitosamente estimulei que o outro revisitasse ideias tidas como certas. Eu me interessei profundamente por cada termo usado. Cada hesitação. Cada gesto. Respeitei as pausas. Eu ouvi. É o que mais amo no ofício que ainda caminha comigo, mesmo que hoje de maneiras ligeiramente diferentes do que nos tempos de jornal e revista.
Entrevistar é terapêutico para quem pergunta e quem responde. Se tudo der certo, ambas as partes saem com mais questionamentos do que entraram e justamente por isso um pouquinho melhores. É uma conversa, no fim das contas. Uma conversa com intenção bem estabelecida.
Contar - e ouvir - histórias: uma atividade tão antiga quanto a humanidade, bem mais se considerarmos a comunicação comprovada entre espécies animais ou não, de árvores a fungos. Nos nossos moldes, a contação remonta às rodas em torno de fogueiras que os ancestrais humanos faziam para estreitar laços entre grupos e dividir aprendizados que podiam salvar suas vidas errantes. Ainda hoje, ah, histórias bem contadas salvam vidas. Contá-las para os outros, ainda mais.
Histórias bem contadas salvam vidas. Contá-las para os outros, ainda mais.
É preciso que as experiências transbordem o espaço estreito do peito e se libertem dos limites neuronais. As vivências clamam por serem contadas. São verbo sussurrante, à espera de uma narrativa que lhes dê sentido. Pelo menos é assim que as processamos melhor.
Conforme narramos, aquilo vai ganhando vida própria. As interpretações, as tintas, as lacunas preenchidas, tudo vai se fundindo ao fato original, a ponto de realidade e percepção se tornarem uma coisa só. Sempre foram, sempre serão. A memória concreta, por assim dizer, é um pedaço não muito confiável desse bocado chamado experiência.
Tem gente que detesta saber que o nosso cérebro “mente” para nós, preenchendo hiatos de visão, audição ou mesmo de lembranças com o que interpreta a partir das emoções processadas naquele momento. Eu, particularmente, acho belíssima essa descoberta, que tira as crenças e os fatos da concretude e os coloca no seu devido lugar: o da interpretação individual e coletiva. Do viés.
Adeus determinismo. Se há espaço para questionar o que vemos, sentimos, experienciamos e pensamos, há espaço para mudar! Pelo menos, mudar a maneira como interpretamos o que foi, dar menos poder ao passado sobre o nosso presente/futuro.
Daí a atualidade dessa tecnologia milenar chamada contar histórias.
Nossas histórias não são o que são. Elas vão sendo recontadas e ressignificadas mentalmente conforme deixam a memórias individuais, se transformam em palavras e encontram novas mentes. Histórias não morrem. Podem ser esquecidas; mortas, jamais.
Histórias não morrem. Podem ser esquecidas; mortas, jamais.
Por isso, volto a dizer: me conta a sua história?
Ou conta pra alguém, para as paredes que seja. Em voz alta, com detalhes. Porque você vai se ouvir e, bem sabemos, ouvir a si mesmo transforma. Até cura.
Dia desses, escrevi uma das minhas histórias. Resumi em algumas páginas uns 12 anos da minha vida, com altos e baixos dignos de montanha-russa e Dorama, e, ao fazê-lo, vi não um sentido naquilo tudo, mas eu me percebi. Na verdade, me re-percebi. Entendi como fatos distantes estavam conectados e como uma antiga crença de infância, um mantra que costumava repetir exaustivamente na cabeça, tinha me guiado até aqui, até esta newsletter.
Dia desses, escrevi uma das minhas histórias. Resumi em algumas páginas uns 12 anos da minha vida, com altos e baixos dignos de montanha-russa e Dorama. Ao fazê-lo, eu me re-percebi.
O mantra era simples, mas poderoso: “depois da tempestade, vem a bonança”. Essa frase, carregada de esperança, moldou minha maneira de ver o mundo, porque me trouxe a aceitação de que as coisas podem ser incrivelmente difíceis, mas sempre haverá alegrias, arco-íris, quem sabe uns unicórnios aparecendo quando eu menos esperar. Eles sempre apareceram, por que não iam dar o ar da graça agora?
Naquele dia, revisando o texto, me dei conta de que, contra todos os ceticismos e cascas que desenvolvi ao longo da vida, ainda acredito que depois da tempestade, vem a bonança. O vaivém da vida e a sua fluidez se mostraram na minha história de forma inequívoca. Se está ruim, calma, vai ficar melhor. Se está melhor, aproveita, porque… talvez… já sabe. Vive o hoje, não leva a sério demais nem elogio nem crítica, só vai.
Alguém pode argumentar que isso é um ser humano colocando causalidade na aleatoriedade, se consolando... E daí? Sou programada pra isso, você também. Somos feitos de histórias, como bem escreveu o Galeano.
No meu caso, episódios difíceis na infância, na adolescência e até dia desses, e a forma como lidei com eles, intuitivamente me autoajudando, me moldam até hoje. Moldaram certamente os caminhos profissionais que trilhei. Não sou mais a mesma, claro que não. Mas aquela Bruninha sensível, curiosa e motivacional, crítica e esperançosa ao mesmo tempo, mora aqui.
A sua criança, a sua adolescente, os seus várias eus também moram em você, construindo as camadas dessa pessoa aí, de como você se entende agora.
A sua criança, a sua adolescente, os seus várias eus moram em você, construindo as camadas dessa pessoa aí, de como você se entende agora.
Somos em grande parte moldados pelos significados que damos às nossas experiências, o que não é, de forma alguma, um processo solitário. Tudo e todos que passam por nós constróem quem somos, mesmo quando tentam destruir pontes ou sacodem as bases. Somos parte desse todo feito de ontem e de hoje, muitas vezes inclusive do amanhã que forjamos na mente.
E, para acessar essa fonte de (auto)conhecimento, basta permitir que as histórias saiam para passear com mais frequência.
Pensar, ruminar, mas também deixar ir, incluir ares lúdicos, colorir o que estiver cinza demais, deixar se dissolver o que parecer rarefeito. Não sei se falar liberta, mas certamente é uma das ferramentas que podemos usar no caminho da autonomia e do amor próprio.
Eu me amei mais quando recontei aquela história que um dia vou dividir com você. Ri de mim mesma, me vi ingênua e entendi que tenho algo de bonito: sou uma aprendiz aplicada de mim mesma e do mundo. Eu caio, mas volto; e volto com aquele mantrinha infantil guardado no bolso.
Tem coisas que só você pode fazer por você mesmo. Contar a sua história e ressignificá-la é uma delas.
Eu e o que escrevo
Textos, indicações e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Costumo dizer que a minha história é ajudar você a (re)escrever a sua.
Sou jornalista graduada pela Unesp, fissurada em ler e escrever desde pequeninha. Trabalho hoje com carreira, branding pessoal e posicionamento digital, sempre atrelando a comunicação a novos moldes profissionais para ampliar a felicidade feminina. Na prática, além de produzir conteúdo, dou palestras, treinamentos e cursos para pessoas e empresas.
Tenho, entre outras, pós-graduação em Mkt Político na USP e faço em Psicologia na era digital na PUC. Cursei temas variados, como Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por mais de 17 anos até começar a ensinar e mentorar profissionais. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada.
Para dividir com mais gente a minha escrita e as minhas ideias de forma livre e um pouco mais literária, publico este Descarrego semanal, que traz reflexões e desabafos sobre questões contemporâneas que me afligem ou acolhem.
Nas redes sociais, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
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