ANTES DE TUDO…
Foi difícil escrever nesta semana sobre algo que não a crise climática e a sua consequência desastrosa sobre o estado do Rio Grande do Sul e adjacências. É um novo normal completamente anormal e assustador para todos nós, algo sem precedentes na história, mas não completamente imprevisível.
Como disse, porém, não consegui o distanciamento necessário para falar do assunto com lucidez e informação bem apurada, e sabemos que o importante nesses dias de caos, como cidadãos, é ajudar, apoiar como pudermos os moradores das mais de 340 cidades afetadas. E então, enquanto vamos contribuindo para a recuperação do RS, começarmos a cobrar ações.
Há muitas formas de colaborar. Além do PIX do estado (92.958.800.0001.38; Banrisul; SOS Rio Grande do Sul) e de doações para organizações sérias, podemos enviar alimentos não perecíveis, água mineral, medicamentos, fraldas, absorventes, itens de higiene, cobertores, sapatos e roupas em boas condições pelos Correios gratuitamente - ressaltamos a necessidade de peças de vários tamanhos, os grandes em especial, e de roupas de baixo novas.
Às gaúchas e aos gaúchos, deixo meu mais profundo desejo de que alguma normalidade se restabeleça. Meus pensamentos e sentimentos, como os do Brasil todo, estão com vocês.
Sem filhos, com amor
Uma não mãe vivendo em paz na cara dos caretas
…
Parece que teve gente mais indignada com o show da Madonna do que com a tragédia no Rio Grande do Sul. Não é este o tema do texto de hoje, mas que ele tem a ver, tem.
Vivemos num país em que se esconde "as vergonhas" entre quatro paredes, mas se prega desinformação e se aponta o dedo para os erros do outro pornograficamente. Há completa falta de vergonha na cara dos caretas - os mesmos que vão já já, no domingo, encher nossos feeds com fotos e declarações para suas mães e esposas imaculadas e guerreiras.
As mães merecem todas as homenagens. Elas obviamente não são o problema. O problema é quando a instituição "maternidade" encontra a caretice e vira sinônimo de identidade feminina.
Uma identidade enviesada, resumida a um papel abençoado e indiscutível, vinculado ainda que de maneira mascarada à entrega abnegada à prole e ao provedor. A ascensão da tendência #tradwife (esposa tradicional) é essa romantização materializada em conteúdos elitistas e sexistas que remontam à figura da "mãe, do lar, submissa e perfeita", que roubou de tantas das nossas mães o direito de explorar as suas diferentes facetas.
Seguramente, atrapalhou bastante a vida da minha mãe, que foi guerreira porque teve que ser e não teve opção senão ser imaculada diante dos vigias que cercearam cada passo seu nos idos dos anos 1950, 60, 70. A minha mãe eventualmente ficou bem, ótima. Junto com meu pai, uma figura masculina destoante dos machões opressores ao redor, me deu uma criação com um pé no cristão, outro no "desencaretamento". Sou grata por isso.
Evidente que meus pais não previram o resultado de incentivar as três filhas a estudar, buscar autonomia e se colocar de cabeça erguida nos palcos da vida. Não, eles não tinham como saber que comemorariam as suas bodas de ouro com três filhas, nenhum neto e em paz com isso. O incômodo com seu modo de ser familiar, nos anos 1970 e em 2024, deixaram para os outros.
Não bateu, e não vou pedir desculpa
Cada irmã teve uma história bem diferente com a não maternidade. Posso falar da minha - a minha decidida, precoce e feliz história de não ser mãe.
Desde muito nova, não me encontrava brincando com as bonecas bebês. Sabe-se-lá-por-quê, eu falava aos quatro ventos que não teria filhos, uma convicção que parece ter vindo de fábrica. Caso resolvesse cuidar de alguém, costumava dizer, adotaria um casal de crianças. Nunca tive o sonho de ter barriga, parir... Jamais senti o tal do chamado, pelo contrário.
Como me casei duas vezes (nenhuma de véu e grinalda, também para a indignação dos tradicionais) e vivi anos com esses homens, cheguei a levar o tema para a mesa, achava justo que cada um conhecesse as intenções do outro. Comigo (creio que está bem óbvio), ninguém teve filho, e todo mundo sempre esteve ciente. Seguimos todos amigos, todos bem.
Sei que muita mulher é questionada quando anuncia a decisão ou quando simplesmente não fala sobre engravidar. "Amigos" e parentes podem ser incrivelmente intrometidos e maledicentes, maridos podem ser violentos e "persuasivos". Toda a minha solidariedade a você que sofre com isso - tende a melhorar depois dos 40 e poucos, quando determinarem que o seu relógio biológico não "bateu", que o "instinto materno" fraquejou ou simplesmente inventarem uma história imaginária de como você “falhou” em “constituir família”.
Para mim, não teve tanto drama, tirando um ou outro careta que pelas costas se indignou com o fato de eu ter um útero saudável e abrir mão de encomendar um bebê para cegonha.
Credito as pouquíssimas inconveniências até hoje à minha assertividade com o tema, ao meu círculo muitíssimo bem selecionado de pessoas próximas e à minha inegável paixão pela vida profissional - muitos parecem achar que se uma mulher é bem-sucedida, não serve mesmo para ser mãe, afinal. Ah, sim, tem a personalidade e a fama que me antecede: fico muito confortável em impedir que se intrometam na minha vida.
Sobre poder não poder
Se quero ou não ser mãe, por que deveria fazer diferente?
Essa pressão nunca entrou na minha cabeça, e não há argumento que vá me fazer entender por que acham que podem opinar numa escolha tão importante, tão visceral! Quer dizer, entendo academicamente, historicamente etc, mas não concordo com nenhuma premissa que essas linhas de pensamento antifeministas trazem.
Já há pessoas demais no mundo, algumas delas bem boas - posso garantir aos caretas e moderados (!) que uma Bruninha miniatura não fará falta nem para mim nem para o mundo.
Não costumo levantar a bandeira da não maternidade, por assim dizer, porque a vejo como uma decisão que cabe unicamente a cada mulher.
Assumo, tenho momentos de espanto com as razões que levam alguém a querer parir, como, por exemplo, falar em não ficar sozinha na velhice. Obviamente me soa peculiar a ideia de "não se sentir completa". Também vejo uma leva feminina que parece colocar a maternidade como uma espécie de conquista no currículo. Mas, sendo honestíssima, nada disso é problema meu. O que acho sobre a sua decisão de ser mãe é irrelevante.
Não ter filho está longe de ser um movimento para mim, é uma decisão bem-resolvida tendo em vista a absoluta falta de vontade. Depois é que veio a racionalização: o tipo de vida que quero ter e o que acredito ser mais significativo na minha existência.
Tive que pensar sobre um dia, tamanha a quantidade de problematizadores da sociedade dos caretas cada vez mais unidos...
O que defendo, isso sim, e abertamente, é que tenhamos autonomia e confiança para bancar as nossas escolhas. Que possamos cuidar dos nossos narizes e do resto do corpo também. E que busquemos formas de garantir que possamos. Engatinhamos nisso ainda. Por isso, meu movimento é o mesmo de sempre: seja mãe se quiser ser mãe; não seja se não quiser.
Reitero: um só papel não nos define.
Não ter tido filhos até diz algumas coisas sobre mim, e provavelmente não o que você pode estar pensando. De qualquer forma, uma só esfera da vida dificilmente diz tudo.
As mães também não são "apenas" mães, são pessoas cheias de nuances, ideias e contribuições para além desse papel social.
Feliz vida para as mães.
Feliz vida para as não mães.
Deixem os dois grupos - deixem as mulheres - em paz.
Do meu repertório para o seu
Lúcidas e não tradicionais
Neste post aqui, fiz um texto que associa o excelente livro O Perigo de Estar Lúcida, o filme Não Se Preocupe, Querida e essa história de vídeos estilo #tradwife. Pra gente cuidar da nossa insanidade como deve ser.
Diagnóstico de Instagram
E aqui tem um vídeo sobre o que chamei de Diagnosticomania, a mais hypada forma que encontramos de nos meter na vida alheia, chamando deus e o mundo de narcisista. Mas tem outros vieses que falo ali.
Eu e o que escrevo
Textos, indicações e erros são culpa minha mesmo, @brufioreti 🙂
Sou jornalista graduada pela Unesp, fissurada em ler e escrever desde pequeninha. Trabalho hoje com branding pessoal e posicionamento digital, sempre atrelando a comunicação a novos moldes de carreira e felicidade feminina. Na prática, além de produzir conteúdo, dou palestras, treinamentos e cursos para empresas.
Tenho pós-graduação em Mkt Político na USP e faço em Psicologia na era digital na PUC. Cursei temas variados, como Feminismo Pós-colonial, Neurociência, Psicologia da Popularidade e Positiva, Business Coaching e por aí vai.
Trabalhei em grandes veículos de imprensa por mais de 17 anos até começar a ensinar e mentorar profissionais. Adoro autodidatismo e defendo cruzar repertórios pra nos destacar e abraçar nossos "desencaixes" nesse mundo cheio de gente enquadrada.
Para dividir com mais gente a minha escrita e as minhas ideias de forma livre e um pouco mais literária, publico este Descarrego semanal, que traz reflexões e desabafos sobre questões contemporâneas que me afligem ou acolhem.
Nas redes sociais, mostro outros lados meus também, porque a gente é muito mais que o que pensa, trabalha ou diz. É o que sente e faz sentir 😉
Essa newsletter é gratuita e sai toda terça. Se quiser compartilhar, vou amar! Só usar o botãozinho abaixo:
Se não assina ainda, tá aqui seu link: